Em 2025, continuam a acontecer Variações.
Hoje, 3 de Dezembro, António Variações faria anos, mas a verdade é que ele nunca teve uma idade. Há artistas que nascem e evoluem num intervalo entre o espaço-tempo. Variações foi isso, uma falha geológica cultural, um desvio na matriz, uma evidência de que a realidade às vezes tropeça e cria alguém que não devia existir ali. Mas existiu.
Em casa, Variações já tocava antes de perceber bem o que era música. Estava lá, na sala, nos programas de tv, nos discos dos meus, entre conversas, e eu agarrava cada som, cada comentário, como se fosse um segredo. Tinha uma apaixonada curiosidade, queria perceber tudo. A voz, as vestes, o jeito, o que o fazia ser assim. Na adolescência comprei os CDs, foram dos primeiros e nunca mais larguei nenhum. Nem o larguei a ele.
O que sempre me espantou no Variações não foi a diferença. A diferença é fácil de identificar. O que impressiona é a estranheza. Aquela estranheza que não vem do impacto, mas da naturalidade. Ele fazia coisas que a maioria das pessoas considerava absurdas, e fazia-as com a serenidade de quem está apenas a ser, a acontecer. Talvez fosse isso que desarmava, a ausência de explicação. O país esperava sempre uma razão, um conceito, uma metáfora. Ele estava apenas presente.
Continua a ser difícil falar de António Variações. Ele deslocava-se entre géneros, entre indumentárias, entre dicções, entre ideias de masculinidade e de fragilidade. Nenhum rótulo, e por isso, tudo lhe assentava.
Penso que ele não queria ser ícone. Também não queria ser exemplo. O que irritava e fascinava era justamente esse desinteresse, a sensação de que não estava a tentar representar ninguém, nem comunidade, nem geração, nem país. Estava demasiado ocupado a ser ele próprio. Parece, até hoje, uma figura em metamorfose.
A música, essa, não enrugou nem murchou. Tem sempre um sobressalto qualquer. Variações não estava a inventar o futuro, estava só a viver o seu presente. Ao pensar nele, não sinto culto nem melancolia. Sinto uma interrogação. Um ligeiro desconforto. Uma espécie de comichão interna.
Talvez seja essa a parte irreversível, não o mito, não as canções repetidas até à exaustão. É a sensação de que ele deixou uma marca que não é cicatriz, não é bem memória. É um desvio.
Em 2025, continuam a acontecer Variações.
Lá vai o maluco.
Lá vai o demente.
Lá vai ele a passar.
Não consigo dominar este estado de ansiedade.
E eu não paro de atiçar…
