Para mim, sempre houve um vínculo afetivo entre os lugares e as músicas. Não consigo dissociá-lo, e, quando viajo, as memórias mais duradouras e intensas são aquelas em que a música esteve presente. A música está ad aeternum na minha mente.
A meio da manhã saímos rumo a Agrigento.
Logo à saída deparamo-nos com a vista dos belíssimos vinhedos de Marsala deslizando pelas colinas com vista para o Mediterrâneo. Ao longe, o tom ocre dos edifícios evidenciava a influência da arquitetura africana, comprovando ainda a proximidade ao mais quente dos continentes. Pela estrada, desafogada mas sinuosa, o rodopio das típicas lambretas obrigava a uma atenção redobrada. A nosso lado, um mar calmo e resplandecente fez-nos companhia até Agrigento. Durante a viagem ouviram-se muitas coisas, mas contagiou-me a “Gabriel`s Oboe”, belíssima melodia criada pelo genial compositor italiano Ennio Morricone.
Agrigento apresentou-se-nos disposta sobre uma colina. Os edifícios, desgastados pela História e, predominantemente, de cor bege, amarela e laranja, dispõem-se em catadupa numa visão intrigante e inusitada. No anel externo, prédios gigantescos amontoam-se defronte para o planalto do Vale dos Templos e para o mar Mediterrâneo. Agrigento foi uma das grandes cidades da Antiguidade Clássica e, como tal, decidimos visitar o seu centro histórico, que se viria a revelar bastante agradável.
Comportando influências das diferentes civilizações que passaram por Agrigento, a Via Atenea é a principal artéria da cidade e, em seu redor, perdura uma série de vielas labirínticas com diversos edifícios esquecidos no tempo. Os principais encantos do centro storico são os mosteiros normandos, as igrejas barrocas e os inúmeros palácios por entre as peculiares ruas de paralelepípedos.
Como o calor era intenso, decidimos relaxar numa esplanada com um copo de Malvasia delle Lipari e um delicioso pastel de pistácios. Num instante, entreguei o meu coração a uma ilha que é um microcosmo acentuado de tudo quanto é italiano. Tão intensa era a sucessão de acontecimentos que mal chegava a interiorizar tudo aquilo que via: a beldade de cabelos negros na porta da loja gesticulando com o cavalheiro que a circundava numa Vespa branca, as badaladas do sino da igreja, os cumprimentos efusivos entre os jovens, a senhora impecavelmente vestida passeando e falando para o cão… toda a piazza enchia-se de sorrisos. A dada altura lembro-me de películas icónicas como “Carteiro de Pablo Neruda” ou ainda “Cinema Paraíso” e “Malèna“, todas rodadas em pequenos burgos sicilianos. Parecendo adivinhar o que me ia na alma, o dono da trattoria presenteou-nos com Romanza Quartiere de Ennio Morricone. Jamais esquecerei!
Colonizada pelos romanos, a generalidade dos mais importantes monumentos de Agrigento são, todavia, de matriz grega. Berço do filósofo Empédocles, conhecido por ser o criador da teoria dos quatro elementos – terra, fogo, água e ar – e considerada pelo poeta grego Píndaro como “a mais bela cidade dos mortais”, Agrigento é especialmente famosa por ser abrigo de uma das mais espetaculares zonas arqueológicas do mundo, o Vale dos Templos. São inúmeros os sítios da cidade onde se pode avistar este parque arqueológico impressionante que comporta inúmeros monumentos e templos extraordinários construídos entre os séculos VI a.C e II a.C. Este testemunho da civilização grega situa-se a cerca de cinco quilómetros da cidade, ocupando uma área de mil e trezentos hectares, num planalto repleto de amendoeiras e oliveiras entre a colina de Agrigento e o azul intenso do mar Mediterrâneo. É sem dúvida um legado fascinante de uma história milenar. O Templo da Concórdia, obra capital do estilo dórico em magnífico estado de conservação, sobressai.
Como tínhamos deixado o carro junto à Piazza Pirandello – o famoso escritor italiano laureado com o nobel da literatura, Luigi Pirandello, nasceu na cidade -, terminámos a nossa estadia em Agrigento num banquinho de pedra junto ao miradouro que homenageia Domenico Modugno que cantava “Nel Blu di Pinto di Blu”, ou seja, voar no azul pintado de azul. Para melhor apreciarmos o cenário magistral para o Vale dos Templos e para o azul do Mediterrâneo , escolhemos a versão cantada pelo imortal David Bowie.
A Sicília deixa-nos marcas!
Nona edição d´ “As sonoridades das viagens“ na Irreversível.
Miguel Pinho é um reconhecido apaixonado por música e autor publicado sobre viagens.
Conhecendo estas premissas, a Irreversível lançou-lhe o desafio de somar as duas, a música e as suas viagens, numa rúbrica para Magazine.
foto de capa © Miguel Pinho