Para mim, sempre houve um vínculo afetivo entre os lugares e as músicas. Não consigo dissociá-lo, e, quando viajo, as memórias mais duradouras e intensas são aquelas em que a música esteve presente. A música está ad aeternum na minha mente.
Foi ao entardecer, quando o frio apertava e as luzes da cidade começavam timidamente a brilhar, que decidi dar uma pequena corrida junto ao Danúbio. É um sítio esplêndido para uma boa correria. A localização é invejável e a estrada espaçosa e em bom estado. Encontrava-me junto à estátua de Batthyany Lajos – primeiro-ministro húngaro durante a Guerra da Independência (1848-1849) – em cuja proa está uma escultura que me despertou a atenção: um pelicano que alimenta as crias com o seu próprio sangue. Budapeste está carregada de apontamentos cheios de simbolismo. A pequena praça de Batthyany, entre a colina do castelo de Buda e o glorioso Danúbio, é reconhecida pela sua lindíssima igreja de estilo barroco e pela vista privilegiada para o edifício do Parlamento Húngaro. Todavia, posso garantir-vos que na capital da Hungria, onde quer que estejamos, as coisas são belas.
Perguntava-me que música me poderia servir como companhia enquanto percorria parte dos caminhos de Buda, o lado ocidental da cidade. Tal como referi, as luzes de uma noite ainda introvertida, abriam a minha mente para sonoridades enérgicas mas também meditativas. A escolha recaiu em Tangerine Dream, pensando também no cunho impulsionador da banda que emergiu da cena experimental e krautrock alemã, funcionando como que um afrodisíaco, atenuando a minha alegada baixa forma física. O grupo germânico, fundado em 1967 por Edgar Froese (1944-2015), é uma banda de excelência que abarca uma miríade de estilos: techno, trance, rock e ambient. Uma simbiose entre o rock progressivo e a meditação eletrónica.
Enquanto ouvia “Dream Love on a Real Train”, fui-me dando conta, uma vez mais, da opulência de Budapeste. São muitos os edifícios históricos.
O trânsito era calmo, porém, o Danúbio, os sintetizadores e os sequenciadores cósmico-futuristas dos Tangerine Dream eram um autêntico bálsamo. A natureza fez questão de embelezar ainda mais as ruas de Budapeste com uma panóplia de árvores bem interessantes. Via aprazíveis jardins, palácios e igrejas. Vendo cair a noite, a música tornava-se belíssima.
Quando gosto de uma música, insisto na sua audição, sendo capaz de ouvir um tema durante horas a fio. Assim, durante todo o trajeto de ida – aproximadamente quatro quilómetros – ouvi apenas a “Dream Love on a Real Train”, que para mim é um dos temas mais emblemáticos destes representantes da “Escola Alemã” de música eletrónica. Dei a volta junto à extensa Ponte Petófi, e imediatamente me aproprio do tema “Phaedra“. Verdadeiro clássico, de cariz mais espiritual e denso, é uma trilha sonora noturna de quase vinte minutos. Sofisticada, futurista, e composta, pasme-se, há quase 50 anos. Notável! Sem dúvida que os Tangerine Dream fazem parte da história da música.
No regresso, pois então, estive mais atento às vistas oferecidas do outro lado da cidade, o lado de Peste.
O frio apertava-me os lábios, mas a sedução e o encanto de Budapeste prevalecia. Entre outras coisas, reparei na Igreja da Bem-Aventurada Virgem Maria e na cúpula da Basílica de Santo Estevão, que pareciam tornar-se testemunhas oculares da minha admiração por Budapeste.
Fito os barcos dispostos pelo Danúbio junto à Ponte das Correntes… as suas luzes envoltas por alguma neblina, tornavam a vista bela e melancólica.
A pequena jornada cósmica estava perto do seu término… obviamente que o Edifício do Parlamento, mesmo em frente ao ponto de chegada tem direito a umas palavras. É um obra com quase trezentos metros de comprimento e de uma harmonia arquitetónica absolutamente imbatível. Aplausos!
Demorar-me-ia um pouco a escrever sobre tudo quilo que gostei em Budapeste, mas jamais esquecerei de correr livremente ao lado do Danúbio ouvindo Tangerine Dream…
*foto de capa: Castelo de Buda © Miguel Pinho
Página 2: Lançamento do livro “Das Pontes do Porto aos Doces Vinhedos Magiares“
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