(…) De coração aos tombos e sem deixar a poeira assentar, o percurso até ao Palco Museu foi em linha recta. Estava na hora de Sereias. O adolescente e o amigo desceram até à exposição e começaram a sua saga frenética de usufruto do festival em modo autónomo, modo esse que também nos deu outra autonomia – a necessária para focar no “special moment in time” que estava prestes a acontecer. Aquele encontro de músicos talentosos, proficientes, intensos e sei lá mais o quê, com uma voz cheia de vozes produziu um momento de beleza (simples e sem adjectivação excessiva). Se a banda que os antecedeu pôs o dedo na ferida, os Sereias dilaceraram-na com os dedos todos. As palavras da tal voz cheia de vozes soaram-me familiares. Ecoavam nos almoços de família de há muitos anos, em viagens de carro intermináveis, proferidas pela inquietude objectiva de alguém que por estes dias vai desaparecendo quieto e aos poucos, à medida que se debate com uma série de faltas, objectividade incluída. Com os dois pés bem fincados no paralelo em frente ao palco, senti-me instigado a questionar e voltei a lembrar-me do poder da palavra, especialmente quando bate dura e sem contemplações. Assumo a comoção, assumo a viagem no tempo e assumo a impotência a que assisto sempre que revejo o gajo que me fez e, ainda que às vezes de um modo estranho, me ensinou a pensar. Tive que sair para gritar por dentro e ir buscar uma cerveja. Regressei e quando terminou, senti-me pequenino perante um dos concertos mais avassaladores dos últimos vinte e cinco anos… FODA-SE! (…)
*foto de capa – Sereias © João Pádua
Conteúdo escrito pelo criador de conteúdos Gonçalo Morgado
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