O projecto dreamweapon edita hoje o seu mais recente trabalho “Ars Moriendi, com os selos Little Cloud Records (US), InfiniteSpin (US) e Up In Her Room (UK).

Ao longo dos anos, dreamweapon tem explorando diferentes texturas e paisagens sonoras, criando uma identidade e personalidade complexa, carregada de temperamentos particulares e diferenciados. Quando tive conhecimento do lançamento do 9º disco de dreamweapon, projecto que valorizo e acompanho atentamente ao longo dos anos, não querendo da minha parte disfarçar ou esconder uma qualquer pseudo-independência dos assuntos que escolho para apresentar na Magazine, agarrei a oportunidade para uma conversa com André Couto, numa entrevista em que o autor de “Ars Moriendi” se expõe sem qualquer receio. Qualquer outra consideração que pudesse escrever no lançamento desta entrevista, sobre o que se pode esperar de “Ars Moriendi” ou de dreamweapon, seria limitativo e redundante.
O André exteriorizou tudo:

dreamweapon © Betânia Liberato
dreamweapon © Betânia Liberato


(…) um ressurgir de uma nova idade das trevas, em que a desinformação, a desumanização, o desrespeito, a intolerância, a violência, a ganância, o ódio e a miséria são reis.

André Couto

Irreversível / Francisco Barros – Olá, muito obrigado pela disponibilidade para esta conversa e parabéns pelo novo “Ars Moriendi“. Estou muito curioso por assistir a este novo trabalho ao vivo – onde os dreamweapon se destacam na minha opinião – ao ouvir o disco senti que existe uma evolução no projecto, não que seja melhor ou pior, mas nota-se que algo mudou, está mais denso, mais industrial e até mais conceptual, dentro do já conhecido psicadelismo minimalista a que nos habituaste nos trabalhos de dreamweapon. Quais as maiores diferenças que podemos encontrar da música que fazias desde os 1ºs lançamentos para este “Ars Moriendi“? Já fizeste essa avaliação?
dreamweapon / André Couto – Obrigado Francisco, é um prazer!
Existe, de facto, uma diferença/evolução bastante palpável no nosso percurso sonoro, que eu encaro com bastante naturalidade e que tem a ver com a própria natureza/filosofia do projecto e com as diferentes fases da sua/nossa vida.
Começamos como um grupo de amigos, unidos, salvaguardadas as respectivas particularidades, por gostos musicais que se tocavam e com um foco comum: criar música em conjunto, espontaneamente, que saísse da sala de ensaio, ou seja, da experimentação em conjunto. Este é o nosso background: o experimentar, viver, experienciar, comungar; a comunhão. dreamweapon foi, e é, uma Experiência, Vive-se!
dreamweapon sempre funcionou como uma entidade colectiva, um “khoros“, à boa maneira da tragédia grega, que fala sempre em uníssono, permeável e intermutável à presença e contributo artístico de quem o integra. Este “Ethos” está presente em todos os nossos trabalhos, sem excepção, e espelha as diferenças entre eles, ao mesmo tempo que as explica. Este “khoros“, o Coro Trágico, já foi um trio, um quarteto, um quinteto, um duo, e desde meados de 2018, um uno.
Esse psicadelismo minimalista que bem referencias é, de facto, a constância na evolução sonora dos dreamweapon. Os elementos diferenciadores aqui, explicam-se pela própria natureza e características do Coro: uma formação com duas guitarras, bateria e baixo soa diferente de uma formação com três guitarras, baixo e bateria; ou guitarra, synth, baixo e electrónica; ou guitarra, baixo e caixa de ritmos; ou só electrónica. O João tem um input criativo diferente do Edgar, do Luís, do Pestana, do Niels e também do meu. O que interessa é que o que fizemos em conjunto, em qualquer um dos diferentes momentos, ao longo destes 14 anos, foi Magiko, e que dreamweapon prevalece como entidade mística, orgânica e viva. O resto, é Estética.

Irreversível – Qual conceito ou ideia por detrás da construção de “Ars Moriendi“?
André Couto – “Ars Moriendi” são um conjunto de textos protocolares datados da Idade Média que teriam como função prestar auxílio á preparação das almas para a passagem de um mundo terreno para o mundo eterno.
Este conjunto de músicas foi gravado no período compreendido entre o fim do confinamento pandémico e o início da invasão da Ucrânia, e por muito absurdo que pareça, encontro aqui um paralelismo temporal simbólico: o de um ressurgir de uma nova idade das trevas, em que a desinformação, a desumanização, o desrespeito, a intolerância, a violência, a ganância, o ódio e a miséria são reis.
Ars Moriendi“, o álbum, pretende-se que seja uma viagem interior, composta de quatro “oppus“, em que cada um deles remete para um diferente estádio na preparação:
innocense – uma sugestão;
danse macabre – uma tomada de consciencia;
The kiss – uma aceitação;
Profundis – uma incorporação.
É sua intenção ser um mensageiro de esperança, pois acredito que quando exercemos controlo sobre o passado, ao compreendê-lo e ao aceitá-lo, é que estamos munidos de ferramentas para controlar o futuro.

Irreversível – Existem diferentes personalidades que separam o André Couto, compositor e autor em diferentes projectos, daquilo que fazes em dreamweapon?
André Couto – Acho que somos sempre permeáveis a tudo aquilo que nos rodeia e a nossa personalidade está sempre em constante construção.
Um acto colaborativo implica sempre uma abertura para o outro e uma assimilação do outro e das suas ideias. Todos os projectos em que estive envolvido foram bandas, ou seja, projectos de colaboração.
Felizmente ainda não é muito comum vermos na Europa, pelo menos na minha realidade, uma coisa que vemos muito em bandas americanas e até britânicas, que é existir um só elemento que assume e assina a composição das músicas. (Isto lembra-me um episódio num festival em Toulouse, em que após um concerto dos 10 000 Russos uma tipa de uma banda americana pergunta-nos quem é que escrevia as músicas. Respondemos que fazíamos jams ate surgirem músicas e ela ficou incrédula – não encaixou! Eu não encaixo o contrário!)
Posto isto, e uma vez que, por todas as razões que já enumerei, não me consigo dissociar de dreamweapon, arrisco em afirmar que existe, sim, um bocadinho de dreamweapon em todos os projectos em que estive, ou estou envolvido.

dreamweapon © Betânia Liberato
dreamweapon © Betânia Liberato

Este é um processo de experimentação, de descoberta, que eu acho fascinante!

André Couto

Irreversível – Como foi o processo criativo para a criação das composições?
André Couto – A simplicidade/minimalismo é para mim uma demanda constante, sou um fiel praticante do fazer muito com pouco. O meu processo criativo tem sempre o mesmo ponto de partida. Está assente sob a tríade minimalismo – repetição – improviso.
Quando uma ideia que me diz alguma coisa, repito-a. Entra em acção a repetição, os mantras, como mecanismos de transcendência ancestrais.
Depois existe a forte componente do improviso, que está sempre presente no processo; seja no início, no surgir de uma ideia base; seja depois, ao repeti-la e improvisar sobre ela até o tema se materializar. Este é um processo de depuração.
Nos últimos anos, por necessidade, fui-me obrigado a fazer o exercício de pensar em como fazer música sozinho que efectivamente fosse possível de reproduzir ao vivo, estando eu sozinho em palco. Ora, uma coisa é estar em estúdio e gravar uma faixa de bateria, outra de guitarra, outra de baixo, outra de synths, umas vozes, etc, ( o Rites of Lunacy foi gravado na sua grande maioria assim) mas e depois? Como transportar isso para o palco sozinho sem recurso a backing tracks e computadores?
Comecei a usar uma loopstation que se tornou o core de todo o meu som, synths, pedais, percussões, vozes, enfim, tudo ligado ali. E fez todo o sentido, gravar loops – a repetição – e improvisar sobre isso. Este é um processo de experimentação, de descoberta, que eu acho fascinante!
E depois, uma vez que gravo absolutamente tudo o que faço, os momentos em que acontece Magia não se perdem nunca. Os meus últimos discos foram feitos assim, 98% das músicas são primeiros takes, são os momentos em que a música efectivamente toma corpo e forma, é Magia materializada! São momentos irrepetíveis: isto é um processo orgânico, tem a ver com o momento, com oscilações, subtilezas, vibrações, pequenas nuances potenciadas pelos mantras/loops.
Isto é uma dinâmica que depois tento replicar ao vivo, e as músicas tornam-se corpos vivos: repetição/ acção/ reacção.
Em “Ars Moriendi“, este processo repete-se, o core é gravado ao vivo, improvisado, ao primeiro take. Depois, já na fase das misturas, em boa hora achei por bem convocar o “dreamweapon aethernal khorus“, o Coro Eterno dos dreamweapon, o Edgar, o João e o Luís, que na mesma lógica de improviso/acção/reacção imprimiram a sua Magia nas guitarras e bateria, respectivamente. Esta materialização do Coro Eterno dos dreamweapon em disco, algo que não acontecia desde 2015, é motivo de grande felicidade para mim.

Irreversível – Quais são as tuas fontes de inspiração?
André Couto – A nossa mente é um caldeirão, o nosso subconsciente uma esponja. Tudo aquilo com que tomamos contacto, mesmo que não se manifeste activamente, está dentro de nos.
Não consigo explicar objectivamente o que me leva, quando ligo a maquinaria toda, a procurar as sonoridades que me atraem; ou a perder-me pelo caminho, porque vejo um atalho que me leva a um sítio novo que me deslumbra.
Não consigo explicar objectivamente, porque é que me lembro mais de um determinado livro em detrimento de um outro; porque me atrai mais aquela pintura; porque é que aquele filme me toca e a sua imagética fica-me impressa na memória, ou porque é que aquela música me transporta para aquele lugar onde quero estar…
Sou muito introvertido e introspecto, sou também muito irrequieto e curioso, preciso de estar em constante movimento, seja físico ou mental. Acho que o que me motiva e inspira é precisamente o processo, a viagem, a vontade de experimentar, uma sede enorme de criar, é o abraçar o desconhecido, torná-lo intimo, e depois passar ao próximo.

Irreversível – Já tens datas de apresentação programadas?
André Couto – Tenho algumas coisas em fase de preparação que a seu tempo anunciarei.
Posso avançar para já, que está para breve o anúncio uma mini-tour de oito datas em Novembro / Dezembro, com concertos na República Checa, Alemanha, Suíça, Itália, França e Espanha.
Curiosa e recorrentemente não tenho ainda datas previstas para Portugal. É sempre uma dificuldade, inexplicável para mim, tendo em vista a quantidade de espaços disponíveis e bem equipados para o efeito.
Entristece-me, é facto, mas a Europa está mesmo ali depois da fronteira.

Irreversível – Pessoalmente detesto rotular artistas ou bandas, é quase sempre limitativo, mas por vezes é necessário fazê-lo. Se tivesses de explicar o tipo de som deste “Ars Moriendi”, como o descreverias?
André Couto – Isso é uma questão com a qual me debato recorrentemente. E reconhecer a necessidade não torna a tarefa mais fácil, nem menos redutora.
A música dos dreamweapon e frequentemente descrita como “… a minimalist, droney, head swirling psychedelia, with a dark, industrial scent.”
De momento estou na fase dos post, por isso vou avançar com meia dúzia deles, sem certezas acerca do seu real significado: post-psych; post-industrial; post-electro, post-drone; post-experimental; post-darkwave.

Irreversível – O que é irreversível?
André Couto – O STOP!
O STOP É NOSSO!
Aproveito este espaço final para fazer mais uma chamada de atenção para este assunto tão delicado e que afecta a vida de uma comunidade enorme!
No Stop gravei e misturei 7 álbuns e preparei outros tantos, editados por editoras míticas nos EUA e UK.
Do Stop saíram, comigo, 10 tournées Europeias e 1 no México.
Não consigo quantificar a produção artística dos restantes mais de 600 utilizadores, mas os números serão com certeza avassaladores!
É pornograficamente horrenda a Violência a que esta comunidade está a ser submetida!


Ars Moriendi” completo nas diferentes plataformas aqui

dreamweapon linktr.ee

*foto de capa dreamweapon © Betânia Liberato

Actualização:
Tour 2024

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