É editado hoje “Pastoral” o novo álbum de emmy Curl
“Pastoral” é dedicado à minha terra, ao sítio onde cresci, ao património cultural pagão que carrego comigo. No entanto, o álbum também é dedicado ao meu irmão que perdi durante a produção do álbum e a quem devo muito da minha ansiedade criativa. Como ele não pode continuar a fazer arte, farei o dobro.
emmy Curl
O novo disco tem selo da editora Cuca Monga e é produzido pelo “singular” – palavra que subscrevo e surrupio desta entrevista – Hugo Correia aka, entre outras coisas, O Lendário Homem do Trigo. “Pastoral“, quarto LP da one-woman-band, cantautora, songwriter, experimentalista, (inserir outra opção), emmy Curl, surge “como resultado de cerca de 10 anos de investigação e exploração do domínio entre a música tradicional portuguesa, especialmente no património cultural pagão, assim como as paisagens sonoras eletrónicas modernas.“.
Não resistindo à curiosidade perante este novo lançamento, fui em busca de mais informação. Nesse processo, surgiu a oportunidade de realizar uma pequena entrevista com emmy Curl e descobrir todo um imenso universo, ou, por outro lado, um complexo microcosmos específico e diferenciado, deixo a cargo do leitor a responsabilidade dessa escolha. Em emmy Curl, na sua música, na sua personalidade ou alter ego, temos muito para espremer, decifrar e decantar.
Sem mais considerações, deixo a entrevista para ler e o disco, que promete ser um dos álbuns nacionais do ano, para descobrir:
Senti uma frustração, uma impotência de saber que há algo maior que a minha liberdade, mas, ao mesmo tempo, percebi também que não estou só e que estamos todos conectados à natureza, como consciência fractal numa dimensão a que aparecemos humanos desta forma.
emmy Curl
Irreversível / Francisco Barros – Olá emmy, obrigado pela disponibilidade para esta entrevista, parabéns pelo disco! Quais as maiores diferenças que podemos encontrar na emmy Curl desde o “Birds Among the Lines” (2010) para este “Pastoral” editado hoje.
emmy Curl – Ainda há um álbum anterior chamado “Ether“ que editei em 2007, tinha eu 17 anos. Ora não há nada maior do que a diferença da maturidade em relação à minha idade. Ainda estava a explorar a minha voz, sonoridades, a minha própria identidade. Demora tempo. Penso que na altura havia uma maior necessidade de fazer música íntima, passava muitas horas no meu quarto a compor à guitarra histórias sobre viagens, a necessidade de sair da minha cidade. Mas acho que desde aí sempre houve um fio condutor, que está presente em todos os meus trabalhos, que é a contemplação poética da natureza. Acho que este último álbum – Pastoral – é uma continuação dessa contemplação, mas explora a sonoridade tradicional portuguesa.
Irreversível – Existe um conceito específico neste álbum que está relacionado com a cultura pagã portuguesa… quais as tuas motivações para este conceito e como nasceu/se desenvolveu esta ideia?
emmy Curl – Quando tive esta ideia de fazer um álbum dedicado à cultura pagã estava eu gravida de 6 meses a olhar as montanhas antes do estado de emergência do covid e após cancelar toda a tour do álbum “ØPorto“. Senti uma frustração, uma impotência de saber que há algo maior que a minha liberdade, mas, ao mesmo tempo, percebi também que não estou só e que estamos todos conectados à natureza, como consciência fractal numa dimensão a que aparecemos humanos desta forma. Levou-me para uma memória coletiva longínqua que o mundo tanto sente falta – a conexão com o divino. Ora nos tempos pagãos, ou pré-cristãos, a comunidade tinha os ciclos e fenómenos naturais como parte dos seus rituais, em vez de chorar pela virgem dançávamos em torno do fogo e partilhávamos comida da época em homenagem à Primavera. Depois queimaram-se muitas mulheres por curarem doenças com plantas e saberem demais, queimou-se o pensamento critico e substituiu-se o sol e a lua pelo humano, o nascimento da época Antropoceno começava. Flashback para os dias de hoje, no dia antes de dar à luz o meu filho, lá tive eu este sentimento raivoso e contemplativo ao mesmo tempo, de como o mundo humano se virou em seu torno, numa reconquista de ego e poder. Mas eu acredito que o futuro é mais feminino e daí mais pagão, pois as mulheres e humanos que se consideram mais femininos estão intrinsecamente ligados com a magia da vida, o oculto e a lua, aquilo que temos tentado civilizar.
Irreversível – Como foi o processo criativo para a elaboração das composições e como decorreu a gravação?
emmy Curl – Foram quatro anos de processo, começou com a “Mirandum“, sendo a primeira canção a ser gravada. Depois voltei à Dinamarca, já quando o meu filho saiu das incubadoras, três meses depois, havia muito para contar. Passei muitas horas em reflexão dentro daquele hospital. Vi o pior do ser humano. O medo visceral de morrer e, em contrapartida, o medo de dar amor. Muitas enfermeiras a impedir as mães de dar de mamar aos filhos e mães com medo de tocar nos seus bebés. O início começou com a minha produção e gravação na minha casa. Depois lembrei-me que não haveria ser humano melhor para produzir comigo um álbum destes, do que o singular Hugo Correia. Já há dez anos lhe tinha dito que quando fizesse um álbum português transmontano que teria de trabalhar com ele, pois somos os dois conterrâneos.
Irreversível – O que podemos esperar das apresentações ao vivo? Alguma evolução nos temas?
emmy Curl – Quando toco de noite podem observar as pinturas que fiz ao longo deste processo. Tenho pena que alguns dos meus concertos sejam de tarde. Mas em termos de música, é uma one-band-show como sempre foi há muitos anos. Eu, programações, guitarra, loops e danças!
Irreversível – Quais são as tuas fontes de inspiração?
emmy Curl – Há um livro que inspirou este álbum, chama-se “Papalagui” e é escrito por um chefe de tribo aborígene da ilha Upolu que descreve a sua visão sobre os europeus antes da primeira guerra mundial. É um livro que acho que todos deviam ler, por conter a visão mais humilde e ingénua, mas também mais pura do ser humano. Aquilo que eu chamo amálgama da verdade sábia. Outro ser magnífico que inspirou este álbum foi os ensinamentos do professor, filósofo e poeta, Agostinho da Silva, a quem dediquei a canção “Poetas à Solta” como ele tanto dizia que somos. As mulheres que me rodeiam e os homens que as respeitam foram inspiração. As paisagens da minha terra e as da Madeira, onde vivo atualmente, também foram inspiração. O meu filho e o entusiasmo que sente quando vê o mundo. O meu irmão que partiu muito cedo e que agravou a minha ansiedade artística, pois não estando ele para criar mais, estou eu e farei o dobro.
Irreversível – Pessoalmente detesto rotular artistas ou bandas, é quase sempre limitativo, mas por vezes é necessário fazê-lo. Se tivesses de explicar o tipo de som que fazes, como o descreverias?
emmy Curl – Solar Punk! (risos)
Irreversível – O que é irreversível?
emmy Curl – A música que ressoa na alma e nos transforma para sempre.
Links “Pastoral”:
Spotify
bandcamp
*foto de capa:
emmy Curl © Andreas Sidenius