A gig.ROCKS! é uma estrutura artística 360º sediada em Braga, especializada em booking, management e production. É tudo isto e muito mais, fazendo as coisas com a cabeça de quem sente com o coração.
Esta edição da gig.TALKS! ficou a cargo de Guilherme Pinto dos Santos, responsável pela comunicação da gig.ROCKS!

Guilherme Pinto dos Santos

Restam-nos versões forçadas e pouco autênticas do que vinga lá fora, fabricadas instantaneamente, conforme as ondas. Meta-se o fado numa máquina de lavar, e siga, que é reinvenção.


Estou num café, em Fafe, interior minhoto. Um rapaz faz anos, 23. “Mais um ano e tudo igual. Nada muda, nesta merda”, diz, apontando para a rua. Não lhe sei as razões, se fala da cidade, da vida, de ambos. Sei que há, como em tantas outras cidades haverá, e em certos grupos, um descontentamento e deslocamento inato face ao território onde vivem. Se este tipo de discurso pode azucrinar pela imobilidade e insistência, ele tem um fundo e pode dar frutos.  

Não é possível aqui enumerar ou comentar as dinâmicas dos diversos movimentos e iniciativas culturais locais e de nicho, ditas independentes ou alternativas, no panorama musical português. Quer do lado do criador, quer do lado do promotor. É possível, no entanto, reconhecer-lhes a cada vez maior importância, não só na famigerada descentralização, mas também na abertura de canais que veiculem visões díspares que as promovidas pelas entidades institucionais. 

A lot of bands are trying to present themselves as a singular entity in the center of it all. And I think we’ve always been the exact opposite, trying to present ourselves amidst a universe or a society of stuff going on”, Lee Ranaldo, citado em Our Band Could Be Your Life.  

Podemos, hoje, facilmente, pertencer a alguma coisa, lutar por diversas causas. Mais um grupo, mais um chat, mais uma playlist, mais uma thread. Numa era onde podemos fazer parte de tanto, o ecrã dá-nos o conforto da máscara, da falta de vínculo e da ausência de compromisso. Permite-nos não estarmos presentes. Se melhores dias viriam com a fome de contacto que a pandemia gerou, tendemos a continuar desfragmentados e amorfos, perdidos em idiossincrasias. Aqui, a agitação cultural local de nicho pode e deve desempenhar um papel fundamental.  

É difícil contrariar o fluxo do êxodo cultural, também motivado por anos e anos de movimentos e hábitos sociais. Quem programa localmente, ou quem começa a fazê-lo, parte do princípio que o faz para os que ficam, podendo isto tornar-se um exercício de quase teimosia ou resistência. Importa, sobretudo, não simplesmente programar, ou activar um território local, com base em visões, interpretações ou eixos programáticos, visando preencher lacunas de oferta. Importa, cada vez mais, trabalhar com a comunidade, numa abordagem de proximidade, dentro de uma lógica simbiótica e permeável.  

O conceito de colectivo, ou colectividade, não se pode limitar às estruturas culturais e aos intervenientes que elas promovem. Criem-se relações com o público, sejamos acessíveis e abertos, não só estimulando a participação artística de audiências, mas também desenvolvendo nelas uma consciência que incite à criação, ao diálogo, ao contacto e à partilha de ideias. A cooperação é essencial e, neste meio, não creio que o individual origine algo que não seja efémero ou leviano, algo memorável. É importante, também, e considerando todas as dinâmicas sociais e culturais de um meio, não sucumbir a um atropelamento narcisista. 

Neste tipo de acções culturais, com toda a sua diferenciação e complexidade, promovem-se variadíssimas linguagens e movimentos estéticos. Ainda bem. Quem por cá anda, sabe da qualidade imensa e quase surreal do que, musicalmente, se produz em Portugal, fora do contexto comercial. O que é comercial, é sabido, alguém o define. É curioso mencionar uma entrevista a Frank Zappa, onde manifesta a sua opinião sobre o que acha ser o declínio da indústria musical. Afirma que, nos anos 60, os “cigar -chomping old guys who ran the companies” podiam não entender o produto que lhes apresentavam, mas arriscavam, investiam. Aquilo fervilhava. E fervilhava nos clubes, nas ruas; não nos estádios. Depois, Zappa contrapõe com os anos 80, altura em que os “hip young executives”, “more conservative and dangerous to the art form than the old guys with the cigars ever were”, começaram a achar que sabiam o que o público queria ouvir. 

A indústria musical portuguesa, seja lá o que isso for, anda há demasiado tempo a tentar copiar os vizinhos. Restam-nos versões forçadas e pouco autênticas do que vinga lá fora, fabricadas instantaneamente, conforme as ondas. Meta-se o fado numa máquina de lavar, e siga, que é reinvenção. Uma banda com guitarras num festival televisivo é, por si só, uma novidade transgressora. Grandes malucos. O que inquieta, o que é visceral, continuará a acontecer – e muitas vezes a encher salas e corações – fora da vista dos senhores da capital, e de muito público deste país.  

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