O Jazz no Bosque tem animado os sábados de Julho

Hoje no Mosteiro de Alcobaça o tremor que se sentiu já quase veio à luz, num Jazz esfuziante do rebentar das águas.

Raquel Folião

A primeira vez que as notas do Filipe soaram aos meus ouvidos, a Primavera já tinha atravessado a ilha que o viu nascer. O tremor passou-se ali na cadeira ao meu lado quando o embaraço sentado sentiu os primeiros sismos no ventre grávido de felicidade.
Desta vez, quiseram os meus olhos cerrarem-se, deixando-me escorregar no cordão umbilical para voltar ao útero e escutar a partir dali, sabendo assim o que sentiria a filha que provocara tais tremores na barriga da mãe, ao som das melodias de Filipe.
Como um girino deixei-me mergulhar no líquido amniótico e balançar como um verdadeiro nadador exímio de placenta. Foi então que percebi que a música entra por uma janelinha no centro da barriga da mãe e faz estremecer o mundo que acontece ali dentro, tal como as erupções vulcânicas provocam tremores na ilha do Filipe. Esse género de telepatia sentimental acontece quando duas ou mais pessoas têm a capacidade de estabelecer um código de entendimento que se cinge a elas, formando uma atmosfera apenas descodificada a afinados de escuta. É este o resultado da música do Filipe Furtado, do Filipe Fidalgo e do Paulo Silva.

Filipe Furtado Trio © Raquel Folião
Filipe Furtado Trio © Raquel Folião

Esta comunicação cifrada é acima de tudo a possibilidade de criar um jogo de imaginação, sonhar com o que está do outro lado. Assim foi nesta viagem intrauterina, os batimentos cardíacos da mãe e da bebé sincronizaram-se com as notas grávidas do trio. As melodias do Filipe são quentes e criam ondas sonoras que são conduzidas desde que nascem dos instrumentos presentes no palco, por uma espécie de cordão umbilical até ao epicentro da mãe.
A voz mélica do Filipe e os dedos que harpejam longamente as teclas encurtam a lonjura de mundos separados pela pele.
Este código que se estabelece entre músicos, mãe e filha geram a chamada memória poética Kunderiana, onde as notas soltas pelas teclas, guitarra, voz, bateria e saxofone desenham o primeiro esquisso de lição de vida extrauterina.
Este conjunto embrionário de melodias ficam à guarda da memória poética que as transforma em células-tronco.

Filipe Furtado Trio © Raquel Folião
Filipe Furtado Trio © Raquel Folião

À escuta das melodias de Filipe Furtado, todos nós deveríamos fazer o exercício espaço-temporal que nos leva à casa primeira, para que ele nos embale e nos dê o impulso para espreitar a luz.
O trio Filipe Furtado, Filipe Fidalgo e Paulo Silva tocam a possibilidade de cada um de nós gerar um silêncio ermal apenas com acesso ao que os ouvidos encaminham para a memória poética, onde a comoção adormece ao som de notas leves.
Hoje no Mosteiro de Alcobaça o tremor que se sentiu já quase veio à luz, num Jazz esfuziante do rebentar das águas.
Reza a história que os tremores na terra são o castigo do Divino ao Homem, no entanto, aos dias de hoje e perante a música deste trio, crê-se que os mesmos tremores são a fúria da Natureza que quer nascer. O prelúdio da vida.

Filipe Furtado Trio © Raquel Folião
Filipe Furtado Trio © Raquel Folião

Conteúdo escrito pela criadora de conteúdos Raquel Folião

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