A 2ª edição da bienal de arte e tecnologia reflecte sobre a “Coexistência” através de um amplo programa performativo, expositivo, educativo e participativo.
Braga | 9 a 19 Maio 2024
A 2ª edição do INDEX, Bienal de Arte e Tecnologia, regressa a Braga de 9 a 19 de Maio com uma proposta de reflexão sobre o conceito de “Coexistência”. Reconhecendo a tecnologia como um dos elementos disruptores dos tempos actuais, a Bienal pretende ainda destacar o seu potencial enquanto instrumento ao serviço da democracia, da liberdade, da ética e do respeito pelo humano e pelo não-humano.
A concretização deste propósito materializa-se no diversificado programa construído com base em 4 eixos temáticos, que conta com direcção artística de Luís Fernandes, que assume também a frente do programa performativo, e co-curadoria de Liliana Coutinho (curadora e programadora) no programa de pensamento, Mariana Pestana (arquitecta e curadora) nas exposições, e Sara Borges (programadora de mediação e participação Theatro Circo e Circuito) na mediação.
Ao todo, são cerca de 50 propostas que representam uma ampla gama de práticas artísticas contemporâneas focadas na relação entre arte e tecnologia, e que percorrerão locais como Theatro Circo, gnration – artigo Irreversível programação primavera/verão 2024, Mosteiro de Tibães, Museu Nogueira da Silva ou Galeria do Paço, com destaque Irreversível para Ryoji Ikeda, Lawrence Abu Hamdan, Superflex, Kode9, Kyriaki Goni, dmstfctn c/ Evita Manji, Jonas Staal e Total Refusal.
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Theatro Circo, gnration e em BOL
Entrevista a Luís Fernandes
Director artístico Index:
(…) corremos o risco, se não estivermos cientes do mesmo, de regredir em alguns aspetos fundamentais que custaram muito a ser conquistados e para os quais queremos contribuir na nossa humilde posição, para um pensamento mais alargado sobre todas as políticas problemáticas que têm a ver com a liberdade, com a democracia e a tecnologia (…)
Luís Fernandes
Irreversível/Francisco Barros – Olá Luís, muito obrigado pela disponibilidade para esta conversa com a Irreversível.
Quais os maiores desafios que encontras enquanto director artístico da Bienal de Arte e Tecnologia
Luís Fernandes – O principal desafio, diria eu, é um desafio que tem vindo a ser trabalhado ao longo dos últimos anos, e prende-se com o objeto ou com aquilo que está na base desta bienal. Tem a ver com trabalhar numa cidade que, não sendo uma cidade muito pequena, acaba por ser uma cidade periférica. Uma proposta programática que, se calhar, seria mais expectável que tivesse numa capital europeia, ou num grande centro urbano internacional. Porque aquilo que nós estamos a fazer é estar um pouco na vanguarda da discussão de uma disciplina artística que é muito diversa, que é muito ampla, e que fala aqui, obviamente, dos novos media ou da arte e tecnologia, e fazê-lo a partir de uma série de figuras e de propostas programáticas, que também são elas, não são óbvias, são de alta qualidade, mas não são, como diria, blockbusters. Portanto, isto implica que nós, o sucesso da empreitada passe por termos um discurso e um conceito sólido, coerente, um trabalho contínuo de promoção daquilo que são práticas artísticas e de pensamento não óbvias, e que possibilitam, e daí eu ter dito que os últimos anos também fazem parte do cumprimento deste desafio, que possibilitam que nós cheguemos a 2024 e consigamos levar a cabo, de uma forma sólida, uma proposta como esta, para além de todas as propostas que fazemos no dia-a-dia, por exemplo, com estruturas como o gnration ou o Theatro Circo.
Irreversível – No enquadramento do conceito “Coexistência”, presente na 2ª edição do INDEX, de que forma influencia a programação deste ano?
Luís Fernandes – O tema coexistência é basilar naquilo que foi a programação deste ano, e com isso quero dizer que sem o conceito não havia a programação que apresentamos, porque sem alguns contextos de programação, como por exemplo teatros, cineteatros, programação contínua, os temas são por vezes complicados de definir de uma forma coerente para toda uma proposta programática. Neste evento em particular, no INDEX, o tema é absolutamente determinante para pensar o programa e, portanto, esta ideia de coexistência foi algo que esteve na base de todo o pensamento do programa.
Irreversível – Qual o potencial da tecnologia como instrumento para promover valores como Democracia, Liberdade, Ética e Respeito, especialmente na relação entre humano e não-humano, dentro do contexto do INDEX?
Luís Fernandes – O INDEX surge aqui como uma entidade e uma proposta programática que visa, de facto, discutir um problema ou problematizar algo. E esse problema ou essa temática baseia-se, neste caso, com uma ideia que nos parece muito clara, de que a tecnologia, na sua ubiquidade e na sua amplitude de propostas que providencia a qualquer comum ser humano, é absolutamente essencial como instrumento para promover valores como a democracia, como a liberdade, a ética, o respeito. Por outro lado, pelas capacidades que tem e por aquilo que possibilita, também pode ser usado de forma inversa.
Ou seja, pode ser e é um instrumento disruptor e que perturbe relações democráticas e até que condicione comportamentos humanos, como sabemos, através de múltiplos casos que marcaram os últimos anos. Portanto, a tecnologia é, de facto, algo absolutamente incontornável nesta discussão que pretendemos promover dentro do contexto da bienal de tecnologia INDEX.
Irreversível – De que forma os 50 anos do 25 de Abril se relacionam com a 2ª edição da bienal?
Luís Fernandes – Os 50 anos do 25 de Abril relacionam-se com a bienal porque estiveram na base do pensamento temático do programa, portanto, era para nós claro que teríamos de alguma forma que celebrar esta efeméride de uma forma clara. E não o queríamos fazer de forma direta também, colocando o tema de forma literal e direta na temática da bienal. Esta ideia dos 50 anos do 25 de Abril foram um modo para pensar um conceito que se veio a verificar o de coexistência e, portanto, a relação é umbilical.
Irreversível – De que modo os quatro eixos temáticos da bienal (Performance, Pensamento, Exposições e Mediação) foram utilizados na construção da programação pelos quatro curadores? Como se convergem e cruzam esses eixos e onde se encontram?
Luís Fernandes – Os quatro eixos da Bienal foram pensados separadamente por diferentes pessoas, mas a partir de um pensamento prévio que foi comum e que partiu de uma discussão conjunta. E esse pensamento prévio foi o enquadramento temático, o pensamento sobre o que é que poderíamos explorar em termos de matriz global do programa, mas também de pequenas derivações que foram surgindo a partir de conversas. Portanto, partiu sempre de uma discussão alargada.
A que seguiu, de facto, um período de construção e de pensamento do programa, de certa forma ou até certo ponto independente, mas que ainda assim se converge e cruza a partir de conversas adicionais, que fomos tendo, e que se manifestam em diferentes dimensões concretas, como poderia tratar aqui alguns exemplos. Mas, por exemplo, voltando aqui ao artista Lawrence Abu Hamdan e das suas propostas, acabámos por ter três facetas muito distintas da sua prática, em três eixos programáticos diferentes, que são duas peças expositivas, que abordam temas diversos também, uma performance que se relaciona com estas mesmas peças expositivas, e, a partir daquilo que é o seu trabalho, foi estendido para uma dimensão de conferência, em relação com outro autor, neste caso o Lendl Barcelos, que levará o trabalho do Lawrence para outro prisma. Portanto, isto é um exemplo breve de uma convergência de diferentes eixos, que, na verdade, se podem encontrar em diferentes dimensões e casos concretos no programa.
(…) irreversível é apenas a morte, na verdade. Tudo o resto é uma possibilidade em potência (…)
Luís Fernandes
Irreversível – És responsável pelo eixo performático. O que destacas neste programa?
Luís Fernandes – O eixo de performance do INDEX é, há pouco falávamos de desafios, e se calhar é também um desafio muito particular, porque acabamos por falar de uma área que abarca diferentes áreas disciplinares distintas, ou seja, não há um domínio muito claro de arte e tecnologia em palco. O que podemos encontrar são propostas muito distintas, que podem ser da área da dança, podem ser da área da música, dos cruzamentos, enfim, e neste caso, o que verificamos e aquilo que tentamos trazer para este programa, são propostas que acabam por fundir diferentes universos. Por exemplo, o Ryoji Ikeda, que é um artista celebrado internacionalmente, fará a abertura da bienal e trabalhará num formato mais clássico de espetáculo audiovisual, mas, no dia a seguir, o Lawrence Abu Hamdan apresentará um formato muito menos habitual, que é um formato de conferência performance, portanto, uma leitura encenada e uma conferência encenada que ocupará o palco do Theatro Circo. Mas teremos também formatos alternativos, como por exemplo, o formato participativo do espetáculo dos dmstfctn com Evita Manji, nos quais o público tem uma palavra a dizer na forma como o espetáculo se desenvolve, através dos seus smartphones, portanto, é um espetáculo de certa forma participativo. E também, no lado participativo, temos um cruzamento peculiar entre uma orquestra informal de dispositivos eletrónicos, a que nós chamamos ODE, e que é uma iniciativa que decorre de forma regular nos programas da Braga Media Arts e do gnration, e que estará em diálogo com um conjunto de alunos do Berklee College of Music, de Valência, em Espanha, que estarão no INDEX para desenvolver uma dimensão visual para esta proposta sonora. Também aqui de salientar o sair um pouco do habitat tradicional de um artista que é o Kode9, que está mais associado à música de dança, e que aqui apresentará uma peça que nos remete para um universo sci-fi, quase de escapismo, e que também se relaciona com uma ideia global de coexistência e obviamente de uma abstração narrativa bastante grande e que será apresentado sob o formato do espetáculo audiovisual no gnration durante o INDEX.
Irreversível – Quais são os locais onde as cerca de 50 autorias se apresentam dentro do coração do Minho? Foi difícil essa selecção?
Luís Fernandes – Para nós, a forma como construímos o programa e o distribuímos por diferentes locais é também, gostávamos de acreditar, uma das armas e uma das mais valias do programa. Tentamos tirar partido dos diferentes contextos físicos e patrimoniais da cidade de Braga para apresentar estes trabalhos. Não só porque achamos que isso enriquece o programa, mas também porque, na verdade, resolve um problema de distribuir programa que é vasto, por diferentes locais e assim viabilizar a sua correta apresentação. A escolha é feita a partir de uma ideia de diversidade, a partir de uma ideia também dos espaços, da capacidade e tipologia de espaço que estas estruturas parceiras permitem. E, portanto, tem sido – e digo que tem sido porque já assim aconteceu na edição anterior do INDEX – uma certa aventura e uma consequente experimentação, teste, correção de estratégias que nos permite chegar a um conjunto de estruturas que trabalham connosco e que aqui posso listá-las: o gnration, o Theatro Circo, o Mosteiro de Tibães que confere aqui uma dimensão muito distinta ao programa, o Museu Nogueira da Silva e a Galeria do Paço da Universidade do Minho. Portanto, todos estes espaços têm singularidades que acabam por se cruzar, acredito eu, de forma bastante positiva com aquilo que são as propostas programáticas.
Irreversível – Como é que a relação entre arte e tecnologia é explorada no INDEX, e que questões emergentes levanta essa intersecção?
Luís Fernandes – Eu penso que as questões emergentes que são levantadas para esta intersecção estão patentes desde logo na temática do programa e por tudo aquilo que falámos antes. Propomo-nos abordar esta ideia de coexistência a partir de diferentes propostas artísticas, que são mesmo muito diferentes e cada uma tem o seu discurso, a sua temática, mas que se unem de forma muito clara a partir desta ideia que baliza o programa inteiro, que é a de coexistência. E, portanto, também são desdobradas a partir dos diferentes eixos programáticos que aqui já falámos, nomeadamente a performance, a exposição, as conferências e também as atividades de mediação, que são muito importantes no sentido de chegar a públicos distintos, a públicos infantojuvenis e também, no fundo, de mediar a leitura das diferentes obras por parte do público, a partir de uma série de propostas programáticas.
Irreversível – O que é irreversível?
Luís Fernandes – Ora bem, é irreversível que o INDEX acontecerá de 9 de 19 de Maio em Braga, e surpreende-me que é irreversível, e ainda bem, mas respondendo a esta questão, que não é fácil, eu diria que irreversível é apenas a morte, na verdade. Tudo o resto é uma possibilidade em potência e, portanto, queremos partir dessas possibilidades em potência para discutir assuntos prementes e tão fundamentais como os que nos propomos discutir com o INDEX, num ano fundamental em que celebramos os 50 anos da Revolução de Abril e no qual corremos o risco, se não estivermos cientes do mesmo, de regredir em alguns aspetos fundamentais que custaram muito a ser conquistados e para os quais queremos contribuir na nossa humilde posição, para um pensamento mais alargado sobre todas as políticas problemáticas que têm a ver com a liberdade, com a democracia e a tecnologia, enquanto aqui aliado, para nos ajudar nesta missão.