Convidamos a multifacetada criadora de moda, e mais umas quantas coisas, para uma entrevista. Normalmente caberia aqui uma introdução sobre a Inês Torcato, para lançar a entrevista, no entanto a decisão acabou por recair em colocar a conversa com a Irreversível directamente sem qualquer enquadramento. Acabaria sempre por ter spoliers.
Quando o trabalho não tem uma banda sonora automática, tem sempre uma sensação, uma cor, um cheiro, sei lá…
Irreversível – Olá Inês, muito obrigado por aceitares a entrevista. Estando na Irreversível temos de começar por falar sobre música… Quem acompanha o teu trajecto verifica que a música está muito presente, desde os desfiles, nos teus trabalhos como por exemplo com os Fingertips, até às tuas páginas nas redes sociais.
Quão significativo é o universo da música no teu trabalho e projectos?
Inês Trocato – Olá Francisco, eu é que agradeço o convite para esta entrevista!
E sim, a música sempre teve uma ligação muito forte ao meu trabalho. Começando pelos desfiles e transportando para as minhas coleções em nome individual, acho que nunca tive nenhuma que não tivesse música como inspiração, ou como acompanhamento do processo criativo. Também tenho sempre muito presente que não há desfile sem música. A música cria o mote e, na maior parte das vezes, avança-o antes da roupa sequer entrar. Por isto, para mim é fundamental um desfile ter a música certa para criar proximidade, envolver as pessoas no conceito que construí para o momento, principalmente para quem o está a ver ao vivo. Também acho que com as novas modalidades de streaming, ou até os vídeos depois disponibilizados nos canais para ver mais tarde, perde-se um bocadinho a intensidade apesar da mensagem estar lá.
Faço aqui um parêntesis para dizer só que esta pergunta é muito engraçada porque o que me trouxe para o design de moda foi precisamente a relação que a moda tem com muitas áreas artísticas, sendo uma delas a música mas que passa também pela ilustração, pela fotografia e pelo vídeo, enfim, eu vejo a área da moda como uma área de multimédia e não tanto só o design puro e duro. Passando para outras ramificações do meu trabalho, que felizmente é bastante diversificado, faço cada vez mais direcção de imagem para músicos. E isto não passa por lhes fazer peças à medida, embora às vezes também o faça, passa mesmo por uma análise geral do público-alvo junto com a equipa de marketing e depois uma análise de tendências, é quase o escrever de um manual de regras a seguir com a imagem de cada um e adaptada ao contexto. Depois aqui no meio há outros momentos que também são engraçados como a preparação de guarda-roupa para videoclips, fotos promocionais, etc. Adoro esta parte do meu trabalho e apaixona-me cada vez mais… esses trabalhos que falas para os Fingertips enquadram-se nisto também, o que faço atualmente com eles é mais pontual, não é um trabalho de tanta continuidade como estou a fazer com o Noble, por exemplo, ou os Júpiter, mas faço um bocadinho de styling para videoclips ou concertos. No passado, quando andei pelo meio do audiovisual, e ainda não tinha descoberto a moda, cheguei a trabalhar com eles na fotografia e ilustração, fiz fotos promocionais e ilustrei um disco, mas isso já foi noutra vida…
Irreversível – … Como foi a experiência com Cláudia Pascoal e Isaura na final da Eurovisão? E quanto da Inês Torcato podemos encontrar neste tipo de trabalhos? Tens liberdade criativa?
Ines Torcato – A experiência da Eurovisão foi incrível! Do início ao fim, foi um projeto que nunca vou esquecer. Quando recebi o convite não sonhava que ia ter a oportunidade de subir ao palco da Eurovisão, ou estar sentada na Green Room, e poder acompanhar a Cláudia e a Isaura ao longo de todo o processo, ensaios gerais, eventos noutros locais… enfim, foi mesmo uma experiência que se vive uma vez na vida.
Neste tipo de projetos há sempre algumas restrições mas no geral existe liberdade criativa. Claro que o design, por definição, é a arte de criar coisas que aliam estética e função, e quando desenho para algum artista a “função” engloba mais do que apenas a utilidade da peça de roupa, engloba a identidade do artista, o palco em que vai ser usado e o público que queremos atingir, isto é o alicerce conceptual que serve como ponto de partida para a construção de um conceito e uma estética, que obviamente que têm muito de mim também. Acho que em todos os trabalhos há muito de mim, mas todos ao mesmo tempo são adaptações, e a piada é essa. Relativamente ao projeto que estou a desenvolver com o Noble, mais na vertente da direção de imagem e styling, aplica-se o mesmo princípio, apesar de não desenhar as peças de raiz, o projeto é sempre a minha visão daquilo que é o trabalho do artista.
Irreversível – Entretanto abriste o teu primeiro espaço e estúdio de design?
Inês Torcato – Sim, em janeiro de 2017 abri um espaço no Porto que cumpre a função de loja, estúdio onde eu trabalho na prestação de serviços a clientes e atelier com atendimento por marcação, onde faço todo o tipo de peças por medida. Este serviço é tendencialmente mais sazonal com os fatos por medida, as noivas, vestidos de festa, etc, apesar de fazer todo o tipo de peças. Também é um serviço mais exclusivo e personalizado, que normalmente não partilho tanto nas minhas redes sociais para manter a privacidade dos clientes!
Irreversível – Soma a isto o facto de teres voltado a estudar, certo?
Ines Torcato – Exato… foi uma maluqueira em que me meti e que felizmente correu super bem! Comecei no início de 2022 uma pós-graduação em Gestão de Projetos na Porto Business School que terminou mesmo no final de 2022. Não é fácil de conciliar um curso, em horário pós-laboral, com todo o trabalho do dia-a-dia. Até porque, apesar da carga horária efetiva em aulas não ser à primeira vista nada incomportável, o volume de trabalho e a exigência das cadeiras é muito elevado. Acho que, no meu caso, existem vantagens e desvantagens na flexibilidade de horário que o meu trabalho permite! Por um lado, conseguia aliviar a carga de trabalho em dias de exames, por exemplo, por outro existem alturas em que o trabalho é tão exigente que obriga a noitadas e não sobra nem um minuto para dedicar ao curso. Portanto foi um ano intenso, de organização muito exigente, priorização e cedências, que felizmente já terminou e faço um balanço muito positivo!
Irreversível – O que podemos esperar em 2023?
Inês Torcato – Bem, neste início de 2023 tenho vários projetos do ano velho de 2022 em andamento, continuo a prestar serviços de direção criativa e design de moda a outras empresas e tenho coisas a sair. Também alguns clientes vão e vêm, portanto vão surgir novidades e parcerias este ano, que ainda não posso anunciar! E como tenho a novidade fresquinha da gestão de projetos no portfólio, nesta área ainda está tudo em aberto! Adorava ter alguns projetos no âmbito da gestão de projetos artísticos, ou até mesmo produção, relacionados com música, cinema, comunicação ou eventos. Estou à espera para ver o que esta nova área me vai trazer! Continuo também com a parceria com músicos como os Júpiter ou o Noble, que têm já algumas cartas na manga mas, mais uma vez, desculpem, ainda não posso desvendar. Por fim podemos esperar também um regresso da marca Inês Torcato, que teve um hiato não oficial de um ano por culpa da minha formação e vai voltar!
Irreversível – Quais são as tuas maiores fontes de inspiração para os teus diferentes trabalhos?
Inês Torcato – Bem, a inspiração vem de todo o lado. Há uns anos, quando só fazia coleções, vinha quase exclusivamente da música. Cada coleção tinha uma banda sonora específica porque havia sempre qualquer coisa que me apetecia ouvir quase em repeat no processo de criação. Desde que comecei a diversificar e a ramificar o meu trabalho, vem de todo o lado. Vem do dia-a-dia, ainda muito da música, de festivais, do cinema, gosto muito de ilustração e de fotografia também, das viagens… sinto que cada sítio novo que conheço aumenta o recipiente onde cabe a inspiração… como se fosse uma caixa que vai ficando maior e onde cabem cada vez mais coisas… Acho que vem muito das pessoas também, as pessoas são inspiradoras e o meu trabalho vive delas. Quando trabalho para músicos ouço tudo o que eles fazem e passo os dias naquele ambiente, sinto que me traz a sensação daquele artista. E quando entendes o que se sente e o que se vive naquele universo, sabes qual é a identidade visual que é precisa para ali. Quando o trabalho não tem uma banda sonora automática, tem sempre uma sensação, uma cor, um cheiro, sei lá… há um perfil para cada coisa, associações mentais que me são muito automáticas, como ser óbvio que a pessoa X encaixaria com a cor Y e o tecido Z, enquanto usaria um perfume XYZ… Há uma sensação que cada pessoa transmite que é única, não consigo explicar de forma muito clara, mas tudo é enquadramento e, por isso, o ponto de partida, ou a inspiração, pode vir de qualquer coisa. O próprio conceito de inspiração é tão abstrato que acaba por abraçar tudo… mas isto já dava uma nova conversa…
Irreversível – O que é irreversível?
Inês Torcato – Irreversível é a vida. O mais importante é seguir sem olhar para trás. Nem sempre é fácil mas vamos tentando gerir…
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