Nez txada skúru dentu skina na braku fundu” é, por muitas razões e a primeira é exclusivamente musical, um dos discos do ano para a Irreversível e Scúru Fitchádu um dos protagonistas do ano de 2023.
Deixou cicatriz profunda.

Encontrei-me pela primeira vez com Scúru Fitchádu no Rodellus 2023. O impacto musical já tinha acontecido anteriormente, o pessoal aconteceu nesse dia. A Irreversível foi Media Partner do festival “Para quem não tem medo do campo“, no plano de actividades em conjunto estava delineada uma entrevista ao Scúru Fitchádu. Durante a tarde conversamos um pouco, trocamos ideias, abordamos temas… acabamos a realizar “apenas” uma flash interview no palco do Rodellus e enquadrada com o evento, isto porque entendi manifestamente que Scúru Fitchádu, ou o Marcus Veiga, tinha coisas para dizer, coisas importantes e interessantes. Nesse momento, decidimos em conjunto guardar uma entrevista mais longa para outro momento. Agora, acabei esta entrevista a pensar: “Foda-se, ainda podíamos desenvolver, abordar ou até esmiuçar mais um pouco! Aqui não falta sumo para espremer“.

Certamente que essa oportunidade surgirá novamente mais à frente. Marcus Veiga, ou Scúru Fitchádu, fala sem receios nem estigmas, podia ter uma rubrica mensal na Magazine que certamente iria perdurar. Nos dias que correm, onde o cinzento, o politicamente correcto e a busca pela aprovação reinam, Scúru Fitchádu é um arco-íris invertido e, porque não assumir isso, inspirado na sua frontalidade, é uma inspiração. A cena musical nacional vive momentos de grande fulgor, sendo que por vezes é como as prateleiras de um supermercado, os mesmos produtos só que empacotados de forma diferente. Precisamos, eu e nós na Irreversível, de itens distintos que se diferenciem, provar novos e particulares produtos que abram a mente e que fracturem o paladar.

Escrevia Gonçalo Morgado nesta casa em crónica ao gig de Scúru Fitchádu no Rodellus:
A diversidade não é um lugar-comum. É um rasgo de inteligência que dilacera os tendões da ignorância, alimentado pelo lado nutritivo de todas as raízes que compõem a flora deste canteiro à beira-mar plantado.

Rodellus © Pulsar
Scúru Fitchádu & Francisco Barros @ Rodellus 2023 © Pulsar

(…) é na música e atitude de combate que me sinto bem e onde sinto que o meu papel deverá estar.

Scúru Fitchádu


Irreversível / Francisco – Olá, muito obrigado por aceitares esta entrevista para a Irreversível! Estivemos juntos no Rodellus onde fizemos uma flash-interview, verifiquei nesse momento que aquilo não me bastava e que gostava de conhecer mais um pouco da galáxia que andas a construir. Existem diferentes personalidades que separam o Marcus Veiga do Scúru Fitchádu? Ou são 2 faces da mesma moeda?
Scúru Fitchádu – Assim, muito honestamente, são mesmo duas faces da mesma moeda, considero que a personagem em palco seja apenas uma extensão de mim próprio. Aquela urgência e forma são exatamente isso. 
Não há muita diferença do que sou no meu dia a dia na verdade, ainda que manifestada de forma diferente.

Irreversível – O teu som tem uma mistura única de influências e gêneros, carregadas de nervo, resultando num som que cruza universos musicais bastante distintos, a que se soma ainda um carácter de intervenção e guerrilha. De onde vem esta amálgama sonora? E, pergunto ainda, a tua música é pensada com esse intuito ou acontece tudo durante o processo criativo?
Scúru Fitchádu – Sem dúvida, é mesmo o resultado de gostos pessoais. Esta intersecção de sonoridades advém de, na verdade, nunca ter sido exclusivo de nenhuma “tribo”, mas, por outro lado, deambular por elas, da Eletrónica ao Metal ao Hip Hop à música ouvida no seio familiar.
Como aprendi a fazer as minhas composições de forma descomprometida e sem fórmulas exatas, essa ingenuidade teve e tem algumas vantagens, principalmente de não sucumbir em gavetas ou barreiras. O erro e o trabalhar sobre o erro torna o meu processo mais interessante e criativo. Pelo menos para mim é assim que a coisa resulta. É por isso que dispenso produtores. Para mim isso é castrar, mas não digo que de hoje para amanhã não mude a estratégia. Depende sempre do que estiver a sentir.
O cariz antagónico ou de guerrilha junta-se ao fato da minha conduta e à minha forma de estar na vida, é na música e atitude de combate que me sinto bem e onde sinto que o meu papel deverá estar. É um sentimento antipop que vem desde a minha adolescência juntando ao fato de ter sido privado da maioria das coisas que uma criança e adolescente tenha tido, ou ter tido algumas provações no percurso, teve em parte a razão que me tornou um pouco desconfiado relativamente ao exterior ou à normativa. 

Scúru Fitchádu © Pulsar
Rodellus © Pulsar
Rodellus © Pulsar
Scúru Fitchádu © Pulsar
Scúru Fitchádu © Pulsar


A cultura está robotizada e pela hora da morte.

Scúru Fitchádu


Irreversível – Em Janeiro foi lançado o álbum “Nez txada skúru dentu skina na braku fundu” e andaste a apresentar o disco por diferentes latitudes e longitudes, um pouco por todo o mundo. Já consegues fazer uma análise e avaliação destes últimos 10 meses? 
Scúru Fitchádu – Num overall fiz algumas apresentações, admitindo que talvez não tantas quanto deveria para a promoção de um disco, pelo menos cá em Portugal, mas isso é exatamente como a música e cultura se processa por cá. Os promotores e até a comunicação social tem o poder de sublinhar ou virar a página quando querem. Isto é, lutam pela exclusividade pessoal de dar foco a um projeto, um pouco como “fui eu que apostei neste projeto primeiro” ou “fui eu que escrevi sobre este projeto primeiro“, para passado uns meses passarem toda a energia para outra coisa qualquer, ignorando o que já foi descoberto. Parece uma quota que precisam de preencher na verdade. Penso que a falta de um circuito alternativo a sério e autónomo pesa imenso, a não existência de clubes também não ajuda em nada. A cultura está robotizada e pela hora da morte. Em relação a tocar fora de Portugal, óbvio que ter álbum novo não fez muita diferença porque a maioria das pessoas não me conhecia e viu pela primeira vez, ainda assim correu sempre muito bem por onde estive. Deixo a minha marca sempre por onde passo, pelo menos faço sempre por isso.
É cliché mas na verdade, tenho mais reconhecimento pelo meu trabalho fora de Portugal. O fato da minha estrutura ser autónoma cá dentro também tem essa desvantagem, se reparares os eventos culturais e espetáculos são monopolizados por duas a três agências no máximo, o que há um loop constante e não há muita variedade. Olha para os espetáculos promovidos pelas câmaras municipais ou para as playlists da rádio mais próxima…

Irreversível – Pessoalmente detesto rotular artistas ou bandas, é quase sempre limitativo, mas por vezes é necessário fazê-lo. Se tivesses de explicar o tipo de som que fazes, como o descreverias?
Scúru Fitchádu – Percebo o que dizes, também odeio rótulos e gavetas, ainda que todos o façamos de forma inconsciente ou pelo menos internamente. O que faço é atualmente dentro do hemisfério da bass music ainda que as minhas fórmulas sejam diferentes de tudo o resto e não seja algo premeditado para pista de dança. É sem dúvida música de expressão visceral. Ultimamente, já para evitar rótulos esquisitos, autobatizei-me de Afrohardbass poetic violence… 
Sei lá, chama-lhe Catarse music se quiseres…
Mas, nada me impede de desacelerar quando assim o entenda. O pior que poderei fazer é tornar a minha arte previsível.

Irreversível – Quais são as tuas fontes de inspiração?
Scúru Fitchádu – Estou constantemente a tirar notas, escritas ou vocais. Estou em alerta constante. É um acumular de conteúdo na verdade. Atualmente estou mais atento a sons fora da música. Sons do dia a dia, na verdade, tudo é música, tudo é ritmo e tem uma cadência. Raramente vou à procura de música nova nos dias que correm, então revisito constantemente álbuns antigos que me passavam um pouco ao lado. Mas, na verdade e falando de inspiração para música em si, tudo o que tenha bastantes graves é sempre o que procuro ou pelo menos dou mais atenção. Neste momento estou mais virado para os graves do Sludge/Doom pelas camadas e ambiências ali conseguidas. Mas lá está, ultimamente estou pouco pré-disposto para ir à procura do que há de novo e estou mais fechado sobre as minhas ideias. Facilmente aparecem distrações e perco o foco, tenho de estar constantemente a fazer reset. É uma luta.

Irreversível – O que é irreversível?
Scúru Fitchádu – Para mim irreversível é mesmo a conduta de vida. Estejas onde estiveres, experiencies o que quiseres, faças o que fizeres, a tua conduta irá ditar tudo.
São linhas que ou se atravessa ou não… Vai seguir-te para sempre e isso é irreversível!

Scúru Fitchádu
Scúru Fitchádu © Vera Palminha


Foto de capa © Vera Palminha
Fotos Slider © Pulsar


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