Os NO!ON estrearam Modified Liberation no palco do gnration, a Irreversível foi assistir ao concerto e agarramos o duo para uma entrevista.
Marco Pereira e Márcio Alfama são as duas caras do duo bracarense NO!ON. Formados em 2015, lançaram o primeiro longa-duração, 7 2 6, em 2021 pela editora francesa North Shadows Records. Agora revelaram Modified Liberation, o novo trabalho construído com o apoio do programa de criação artística local Trabalho da Casa.
Desde 2015 que o Trabalho da Casa tem sido um palco privilegiado para artistas locais e uma força motriz singular na produção musical da cidade de Braga. Com quase duas dezenas de projetos já apoiados, o programa de criação artística do gnration desafia músicos e bandas a construírem novas obras discográficas e espetáculos, partindo de incubação em contexto de residência.
Para este (disco) foi o futurismo enegrecido pela nova Era Digital em que tudo ou quase tudo é controlado por máquinas e A.I..
Irreversível – Olá Marco, olá Márcio, obrigado pela disponibilidade para este momento. Parabéns pelo concerto! Para mim é difícil fazer uma avaliação independente do gig, sou fã de NO!ON, mas acabei de assistir ao vosso melhor concerto de sempre… Sentem o mesmo? Fiquei bastante surpreendido, alguma coisa mudou em NO!ON, estão mais intensos…
Márcio Alfama – Olá Francisco! Antes de mais, obrigado pelo convite para esta conversa! Obrigado pelas belas palavras sobre o concerto de apresentação do Modified Liberation. Bom, diria que estamos igualmente intensos, mas desta feita criamos estruturas musicais que permitem alcançar uma outra abrangência sonora. Nesta altura decidimos “trocar as voltas” a nós mesmos e quisemos desafiar a nossa forma de trabalhar. Utilizamos instrumentos novos e reaprendemos a nossa própria construção.
Marco Pereira – Só tenho a acrescentar que o ADN de NO!ON é isto mesmo: Um constante desafio para nos sentirmos surpreendidos por nós próprios.
Irreversível – Este concerto foi a apresentação do novo álbum? Foi um trabalho em específico para o gnration? Contem-me tudo…
Márcio Alfama – Este concerto teve como base a residência artística a convite do gnration, que, por ser um espaço de eleição nacional e internacional, possui condições ímpares de estrutura, organização, produção, meios técnicos, divulgação e liberdade criativa.
O Modified Liberation será um disco, prevemos que haja alguma coisa no final deste ano, conceptual, com base na ditadura dos algoritmos e A.I.. Temas que nos preocupam dada a importância crescente no nosso dia a dia. No fundo, este disco aborda diversos aspetos desse controlo e futuro controlo dos sistemas inteligentes que nos condicionam e regulam as forma como nos relacionamos, trabalhamos e criamos… em última instância poderá ser num cenário futurista a ruína da pegada humana.
Para o espetáculo contamos com o excecional artista visual Fernando Kopp. Um visionário brilhante que introduziu na temática aspetos relacionados com a memória, com os flashbacks, e todo o universo do ser humano em loops constantes; uma perspetiva mais distanciada e futurista de um tempo em que havia humanismo e humanidade.
Para o disco teremos a colaboração da artista visual Mónica Brito que ilustrou e conceptualizou as imagens e capa do disco, para além de vários outros itens que serão futuramente divulgados!
Voltando um pouquinho atrás, o Modified Liberation em termos temáticos e conceptuais foi consubstanciado por algumas leituras, essenciais, como A Era da Inteligência Artificial, de Henry Kissinger, Eric Schmidt e Daniel Huttenlocher; A Fábrica de Cretinos Digitais , de Michel Desmurget; e, sendo este talvez o mais importante, Homo Deus de Yuval Harar.
Ou seja, fizemos uma investigação temática para nos ajudar a alimentar a criação e o desejo de ir mais além neste projeto, residência e disco.
Irreversível – Há planos para continuar a apresentar este Modified Liberation?
Márcio Alfama – O Modified Liberation será certamente replicado. Contamos divulgar tanto em Portugal como fora. Estamos a negociar datas com o nosso país vizinho, para além de que iremos despertar apontamentos noutros países da Europa e não só. A ideia será paulatinamente espalhar a identidade visual, conceptual e obviamente, musical, por vários países e cidades. Isto salvo alguma situação excecional que nos ultrapasse de todo!
Irreversível – Como é o vosso processo criativo? Os palcos alteram essa processo?
Márcio Alfama – O processo criativo começa de várias formas. Já tivemos processos que dependiam exclusivamente da parte musical, ou seja, às vezes basta 1 nota ou 1 tom, um ruído ou um som aleatório que desperta depois toda a construção musical. No Modified Liberation foi um misto dessas situações, juntamente com a tal pesquisa exaustiva sobre a nouvelle réalité que está associada a este ?admirável? mundo novo da inteligência artificial. A questão mor foi a transmutação de ideias, pensamentos e frases para sons. Após termos encontrado os sons, tivemos de construir esses padrões com partes rítmicas e melodias. Para além dessa construção, que tem de estar intimamente interligada à temática, tivemos de escrever as letras de forma que fizessem a ponte entre o conceito e os instrumentos.
Paralelamente desenvolvemos a parecia visual com o Fernando Kopp de forma a encontrarmos o porto de abrigo ideal entre todas estas – gigantescas – variáveis artísticas, conceptuais.
Marco Pereira – Os NO!ON não são estanques em nada e muito menos no processo criativo. Mudar o modus operandis é algo que gostamos muito de fazer, não só na criação como nas técnicas de gravação e produção. Assim estamos sempre abertos à experimentação que nos faz evoluir como músicos.
Márcio Alfama – Os palcos são o prolongamento dessa construção e conceptualização. Não faria sentido apresentar e desenvolver este trabalho sem uma identidade visual, com uma cenografia própria – não estanque – que pudesse representar e dar um rosto às tais variáveis que mencionamos há pouco. Este palco, sobretudo o gnration, é exigente. É um local de culto, perfeito para novas formas artísticas com uma aposta gritante no desenvolvimento de massa crítica válida e conceptual a todos os níveis. Significado e significância portanto…
Irreversível – Pessoalmente detesto rotular bandas, é quase sempre limitativo, mas por vezes é necessário fazê-lo. Se tivessem de explicar o tipo de som que fazem, como o descreveriam?
Márcio Alfama – Pergunta fácil, resposta difícil! Creio que estamos a caminho do avant-garde musical com base na eletrónica e instrumentos de cordas com sonoridade sónica. Mais progressivos e imersivos; com ataque sincopado e com oscilações entre agressividade e a delicadeza extrema e o cuidado no detalhe.
Marco Pereira – Shoegaze Electro Industrial… Com tiques de Dark Wave Post Punk … E uma costela Trip-hop.
Irreversível – Quais são as vossas fontes de inspiração? … E existe alguma espécie de personas naquilo que fazem em NO!ON, ou, pelo contrário, estamos a ver ali o Márcio e Marco como eles são?
Márcio Alfama – Tal como foi dito mais atrás as fontes podem ser variáveis. As fontes são ao fim ao cabo a forma como damos origem a construção de algo; podem passar por sons, notas ou frequências que depois dão origem a uma construção; e isso pode se juntar ao conceito de um projeto. Por exemplo, para o “7 2 6” a inspiração foi Dante Alighieri. Para este foi o futurismo enegrecido pela nova Era Digital em que tudo ou quase tudo é controlado por máquinas e A.I..
Marco Pereira – A inspiração está presente na procura autodidata de uma forma de me exprimir nos instrumentos de cordas.
Márcio Alfama – Pessoalmente em palco sou o mesmo. Não assumo nenhuma persona. Mesmo que exista vinho a mais!
Marco Pereira – Ao contrário de outros projectos do passado, em NO!ON sou simplesmente o Marco Pereira, um apaixonado desde sempre pela música.
Irreversível – O que é irreversível?
Marco Pereira – A morte!
Márcio Alfama – Nihil Aeternum Est. Nada é eterno. E tudo conta, pois até um fio de cabelo tem a sua sombra, etiam capillus unus habet umbram suam. Há uma imensidão de conjunturas e situações irreversíveis. Há palavras irreversíveis e há pessoas irreversíveis. Há a natural e biológica mortalidade. Por outro lado, a consciência prevalece e o resíduo energético perdura pelo que existe uma certa reversibilidade espiritual. Se calhar ainda estamos a tentar entender o que é isto da bio universalidade por oposição ao “bicho-papão” que é a morte. Se calhar tudo é reversível de certa forma. Se estivermos desfocados ou dessincronizados com o tempo e o espaço, estaremos sempre um passo ao lado da reversibilidade ou da irreversibilidade.
Confuso? Também eu. Não há dogmas.
Marco Pereira – … Vejo a morte como uma viagem em que só compras o bilhete de ida e de forma irreversível deixas tudo para trás.
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