Depois de uma primeira edição de sucesso realizada em 2021 e que teve um efeito transformador em 11 aldeias do Douro, Tâmega e Sousa, mesmo com as muitas restrições impostas pela pandemia, o Aldear está de regresso. Em 2023, a comunidade de outras 11 aldeias desta região une-se a coletivos artísticos para pensar o futuro a partir das memórias, saberes e sabores.
A Irreversível queria entender melhor tudo o que envolve este evento e esteve à conversa com Luís Ferreira, elemento da organização do Aldear.
(…) um país mede-se pela forma como tratamos os nossos ecossistemas culturais e naturais.
Luís Ferreira / Aldear
Irreversível – Olá, muito obrigado pela disponibilidade para esta entrevista. O Aldear arrancou a 16 de Abril. Quais as expectativas para o que ainda falta?
Aldear – À medida que vamos avançando as expectativas estão cada vez mais elevadas. Esta segunda edição do Aldear está a superar bastante as expectativas iniciais. Estamos muito contentes com o número de participantes envolvidos nos processos criativos, com as quase quarenta associações locais envolvidas e com a entrega das comunidades. A experiência das primeiras aldeias está a ajudar na antecipação dos trabalhos das seguintes e acreditamos que em cada encontro conquistamos novos desafios. Não nos podemos esquecer também que os dias estão maiores e isso também se sente na partilha entre comunidades e visitantes.
Irreversível – Qual o conceito e quais as motivações para a criação deste evento?
Aldear – O Aldear surge com a intenção de valorização da cultura da região do Douro, Tâmega e Sousa. É um projeto que parte das memórias e das práticas populares para pensar a região para falar do hoje e do futuro dos lugares, sem nunca ficar refém de um passado. No fundo, é um gatilho para reaproximar as pessoas. Apesar de estarmos a falar de lugares muitos pequenos, com a progressiva desertificação do espaço rural, a maioria das aldeias está a perder as suas práticas comunitárias. É então mais do que a altura certa para voltarmos a reunir e promover novos encontros.
A região intermunicipal do Douro, Tâmega e Sousa é bastante diversificada, mas através da unidade aldeia conseguiu-se criar um modelo comum a todo o território. Entre abril e junho, 11 aldeias, uma por cada município da região, apresenta o resultado de vários processos artísticos participativos, desenvolvidos durante vários meses. Todos os domingos, entre as 11:00 e as 18:00, sensivelmente, são levadas a cabo oficinas criativas e gastronómicas, percursos artísticos, espetáculos e almoços comunitários.
Estes processos artísticos são coordenados por seis estruturas artísticas nacionais: Burilar, ondamarela, Coruja do Mato, Coletivo Espaço Invisível, Discos de Platão e Maria Zimbro, que depois de dias intensos de recolha e mapeamento, desenvolveram processos criativos com as comunidades, focados na capacitação das mesmas e tendo como fim o desenho de um dia de encontro e de festa.
Irreversível – Que elementos diferenciadores de outros eventos podemos encontrar no Aldear?
Aldear – Uma abordagem centrada nas pessoas, um projeto de escuta e de trabalho artístico a partir do que as comunidades querem partilhar. Aqui, as vozes, os léxicos, as memórias, as histórias e os ecossistemas são matéria para a criação contemporânea. A memória como um olhar contemporâneo sobre o passado. Há no Aldear uma verdade que resulta de um conjunto de relações que não pretendem representar mais nada senão o aqui e agora.
Irreversível – Quais os maiores destaques que ainda vamos ter nesta edição do Aldear?
Aldear – Cada encontro, ou seja, cada aldeia é um destaque. O desafio é sempre o mesmo, mas como as estruturas artísticas, as aldeias e as pessoas são diferentes, cada encontro é único. Em cada Aldear, temos percursos artísticos, que potenciam a envolvente natural; oficinas gastronómicas, que realçam os traços culturais das produções locais e modos de fazer vinhos e doçaria, por exemplo; oficinas criativas e uma apresentação artística participativa, a partir dos grupos culturais locais e suas áreas artísticas e interesses. Tudo isto desenhado em co-criação entre as estruturas artísticas convidadas e as comunidades.
Irreversível – Que tipo de obstáculos e/ou dificuldades encontram para a realização do Aldear?
Aldear – O que torna especial o Aldear é o facto de este estar em contra ciclo. Para acontecer necessita de tempo e de espaço para criar as devidas relações entre artistas e participantes. O arranque dos trabalhos é sempre um desafio. Conhecer os interlocutores certos e estabelecer linhas de confiança com a comunidade são, apesar da grande experiência das estruturas artísticas, o grande desafio. Por outro lado, os processos participativos e de criação artística a partir do território necessitam de ser mais valorizados. Acreditamos que o futuro do Aldear, com as suas provas dadas, conseguirá mais condições para o desenvolvimento de um trabalho ainda mais profícuo.
Irreversível – O que é irreversível?
Aldear – Acreditamos que o território, depois de experimentar um projeto centrado nas pessoas e nas suas histórias, irá compreender, efetivamente, o que são os processos democráticos da cultura e os seus efeitos. O Aldear é uma pedrada no charco e as entidades locais e nacionais começam a entender que, cada vez mais, o índice de desenvolvimento de um país mede-se pela forma como tratamos os nossos ecossistemas culturais e naturais. O Aldear, como um projeto laboratorial, mostra que o caminho é por aqui. Esperamos que seja um caminho irreversível.
O Aldear é um projeto promovido pela Comunidade Intermunicipal do Tâmega e Sousa, em parceria com os municípios de Amarante, Baião, Castelo de Paiva, Celorico de Basto, Cinfães, Felgueiras, Lousada, Marco de Canaveses, Paços de Ferreira, Penafiel e Resende, no âmbito da operação Cultura Made In Tâmega e Sousa, sendo cofinanciado pelo NORTE 2020, Portugal 2020 e União Europeia, através do FEDER – Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional.