Kruder & Dorfmeister trouxeram ao Porto não um tributo nostálgico, mas um acto de renovação do intemporal.

Não ia à procura de nostalgia, e ainda assim ela apareceu. Kruder & Dorfmeister não soaram a 1998, soaram a hoje, com detalhe e balanço que deixam tudo entre o chill e o corpo.

À entrada, o Coliseu cheio, a expectativa em suspenso. A dupla, e a restante banda que os acompanha, apareceu e deixou o som falar. A batida surge, primeiro discreta, depois envolvente, uma organza rítmica que desenha linhas entre o grave e o quase silêncio. Aos poucos, o som tomou forma e o espaço começou a respirar com ele. Nada de pirotecnia, apenas som perfeito, limpo, envolvente, sem excessos.

Enquanto tocavam The K&D Sessions, percebia-se o controlo absoluto, as pequenas variações, os fragmentos estendidos, uma fluidez que transformava temas conhecidos em novas versões de si mesmas. Aqueles temas antigos, que acompanharam tantos e tantos trajetos pessoais, ganharam relevo ao vivo, num gesto de transformação paciente, quase artesanal. Houve reinvenções, novas texturas, migrações de timbre, pausas dramáticas que realçavam o passado, sem nunca o aprisionar.

Em alguns momentos, senti falta de fumo, literalmente. É um concerto que (me) pedia outra atmosfera, um sítio onde pudesse acender uma Northern Lights e deixar o corpo e o espírito acompanhar a música e os ecos. Ainda assim, houve instantes em que o som preencheu tudo.

O Coliseu, para minha surpresa inicial, confesso, não vibrou num frenesim eufórico. Um concerto como este, que pode muito bem ter sido a única oportunidade para muitos, poderá não ser para consumir desenfreadamente. A maioria saboreava, usufruía, e percebia-se ao final de cada tema que a esgotada sala estava completamente rendida. O Coliseu vibrou como quem percebe o privilégio de estar dentro de algo raro, preciso, quase clínico. Mais do que estar a curtir, a larga maioria estava a degustar, e eu entendo.

Das lágrimas que escorriam discretamente na pessoa ao teu lado, ao casal que se beijava apaixonadamente, passando pelo grupo de amigos em abraço comunitário. Foda-se, uma celebração partilhada entre anónimos.

No fim, ficou aquele silêncio estranho que só acontece quando algo nos atravessa. Talvez tenha sido só música, ou talvez tenha sido o som de uma vida a reorganizar-se por dentro.

*foto de capa: Kruder & Dorfmeister © irreversível.pt