Uma Noite Irreversível | 4 de Outubro de 2025
Café-Concerto RUM by Mavy | Braga
A quarta edição d` Uma Noite Irreversível, numa coprodução com gig.ROCKS! e o apoio da ESRádio, revelou-se um espaço de resistência e expressão autêntica. No Mavy, a noite foi de continuidade, mas também de mutação, uma energia diferente, mais observadora.

Não se esgotou desta vez, e talvez por isso se tenha vivido melhor cada actuação. O público encontrava o seu lugar e a música ocupava o espaço sem pressa, como quem fala apenas quando tem algo de relevante a dizer.

O chão foi o palco, público e artistas os intérpretes que se moviam entre si.

The Ema Thomas abriu o ritual, não em DJ set, mas em formato de performance viva, inovadora, híbrida, talvez até perturbadora, que viajou em harmonia entre colagens estéticas e presença física. Uma entrada feita de fragmentos que no final se entendiam como uma sequência. Uma abertura de noite que despertou mentes e lavrou o terreno para o que viria a seguir.

O Manipulador trouxe depois o seu laboratório de contradições, entre rock, eletrónica e improviso, em permanente choque. Sozinho, Manuel Molarinho construiu um set de corpo inteiro, com baixo, voz, loops e distorções. Um concerto em que o som parecia estar a ser moldado à vista, como se estivesse a reinventar a cada momento, a cada segundo. Uma dança entre precisão e o desiquilíbrio, entre o menear e a introspeção.

Para o terceiro acto surgem os Putan Club, um duo que é um manifesto. Um choque frontal entre máquina e carne. O chão do Mavy tornou-se um campo de batalha entre o som e os corpos, transformou o espaço numa instalação viva e compartilhada. Um concerto que foi uma tese sobre liberdade desconfortável. Provocador, necessário, urgente, deixando marcas que se vão prolongar no tempo.
A relação entre a Irreversível e os Putan Club é profunda, intrínseca. Partilhamos conceitos, formas de estar, paixões e emoções. E isso foi perceptível.

Esta “Plataforma independente de divulgação artística e cultural” não se constrói de hipocrisias. Temos, sem dúvida, os nossos favoritos, temos coisas que gostamos mais e coisas das quais não gostamos. Não fazemos favores, nem procuramos a validação geral. Talvez fosse mais fácil e simples se não demonstrássemos isso, mas seriamos apenas mais uma reprodução cobarde com necessidade de validação.
O afterburning ficou entregue a Arritmia, que manteve os corpos em movimento, desfazendo alguns aqui e ali, prolongando animadamente e sem escrúpulos o transe das três actuações anteriores.

Durante toda a 4ª edição, tivemos a presença da Dukkha Suspension Team. A equipa criava uma camada extra de energia com a sua arte visceral, uma ponte entre os actos com carácter de instalação, por vezes complementando ou até a expandindo o que se passava no chão, despertando curiosidade e tornando a experiência coletiva mais intensa.

Foi uma noite menos cheia, mas igualmente irreversível. Talvez mais lúcida. Uma celebração sem disfarce, onde o essencial não foi a densidade. Onde cada gesto, cada olhar, cada abraço, cada beijo e cada batida, vão permanecer na memória colectiva e certamente na individual de muitos.
Em jeito de conclusão reflexiva, o que fica é a sensação de que “Uma Noite Irreversível” é mais do que um ciclo ou uma celebração, é uma dinâmica de resistência cultural. Um corpo coletivo que insiste em existir.
Slider: Uma Noite Irreversível | 4ª Edição
todas as fotos © Shootsounds
Foto de capa © André Henriques