Da crua espontaneidade até à resistência política, os Putan Club redefinem o papel da música como símbolo da luta pela libertação.

Ficaríamos orgulhosos se os Putan Club pudessem ser uma pequena parte da banda sonora de um galopante motim rumo a uma revolução global.

Putan Club

Putan Club © Sévérine Kpoti
Putan Club © Sévérine Kpoti


No dia 3 de Março de 2025, os Putan Club lançam o seu novo disco Filles d’Octobre, um registo ao vivo captado durante a actuação no Amplifest. Antes disso, a 1 de Fevereiro, o álbum estará disponível para download gratuito, exclusivamente para os subscritores da Putan Club Debauchery.
Editado pela Toten Schwan Records, Filles d’Octobre terá uma edição limitada de 3000 cópias em vinil duplo, sem reimpressões futuras.

Mais do que um disco, Filles d’Octobre é um retrato fiel do que os Putan Club são e representam. Não é apenas música, é um manifesto.

Mantendo-se à margem da indústria musical, Gianna Greco e François Cambuzat levam os Putan Club a mais de 100 concertos anuais, em contextos tão diversos como as ruas de Laâyoune, as caves por essa Europa Central, ou no Tajiquistão. Sem rótulos ou concessões, exploram uma fusão de avant-rock, industrial, techno, noise, etno, metal, e o que mais lhes estiver a apetecer. Etiquetar os Putan Club será sempre um erro carregado de imprecisões.

No dia 18 de Março de 2025, apresentam o álbum ao vivo no Colchester Arts Centre, no Reino Unido, seguindo-se uma tour promocional já com 44 datas agendadas. Em Portugal, actuam a 4 de Outubro, integrando a programação de “Uma Noite Irreversível”.

Nesta entrevista, os Putan Club falam sobre o novo lançamento, sobre questões e conceitos político-sociais, da relação com o público, o seu processo criativo e a forma como encaram cada concerto como um acto de desafio e afirmação. Uma conversa que foi mais do que uma troca de perguntas e respostas, foi um privilégio e, ao mesmo tempo, um reflexo da essência da Irreversível.
Que se foda a neutralidade. Isto é resistência!

Putan Club © Sévérine Kpoti
Putan Club © Sévérine Kpoti

Uma verdadeira declaração de independência seria nunca lançar nada, como fazíamos no início.

Putan Club

Irreversível / Francisco Barros – Olá Gianna e François, muito obrigado por dedicarem o vosso tempo a esta entrevista, e parabéns pelo vosso novo álbum. Adorei.
Os Putan Club sempre rejeitaram os cânones da música mainstream, assumindo uma postura radicalmente independente. Este novo álbum, gravado ao vivo, reforça ainda mais essa abordagem? Que emoções ou reações esperam evocar no ouvinte?
Putan Club – Acreditamos profundamente que a arte –e, por conseguinte, a música– ajuda a combater o taedium vitae. Por vezes, pode também ser uma forma de resistência contra o desespero causado pelo capitalismo e os seus cães de guarda políticos. Uma reação que poderíamos esperar é que todos acreditem que tudo continua a ser possível, que ainda podemos –apesar de tudo– inventar outra vida. Emoções, reações… ficaríamos orgulhosos se os Putan Club pudessem ser uma pequena parte da banda sonora de um galopante motim rumo a uma revolução global. “Se não posso dançar, não quero fazer parte da tua revolução.” (Emma Goldman, Jack Frager).
Mais do que os cânones da música mainstream, tentamos evitar a própria indústria da música. Mas, claro, para cada álbum temos de “dançar com o diabo“: quando um artista lança um álbum, acreditamos que é responsável por ele –e não apenas por satisfazer o seu ego miserável– e estas “Filles d’Octobre” não são excepção. Ser responsável significa promoção, marketing e vendas, esgotar tudo –e o mais rapidamente possível– porque as editoras independentes são frequentemente heroínas movidas apenas por uma paixão quase suicida. Estávamos também cansados de reimprimir e reimprimir o nosso primeiro álbum “Filles de Mai“, e gravar um ímpeto vibrante durante o nosso amado Amplifest, foi uma boa oportunidade para fazer um balanço de todo um período de concertos e dar uma ideia do que os Putan Club desenvolvem actualmente. Com a Toten Schwan Records, optámos por uma edição limitada de 3000 cópias, sem reimpressão. De certa forma, temos de usar algumas estratégias básicas da indústria da música – no nosso caso, é mais um artesanato próximo do DIY, deixando a todos a maior liberdade possível. Uma verdadeira declaração de independência seria nunca lançar nada, como fazíamos no início.

Irreversível – Vocês habitualmente actuam e, arrisco dizer, preferem sempre assim, directamente no meio do público, promovendo uma conexão intensa e imediata. Como é que essa escolha, que me parece definir o espírito dos Putan Club, molda a experiência da vossa música? E como influenciou a criação deste álbum?
Putan Club – Tens razão, sentimos uma necessidade profunda de tocar, empurrar, gritar, saltar com o público. É uma espécie de selvajaria primitiva onde a humanidade permanece, e adoramos senti-la. Tornou-se terapêutico e definitivamente viciante. No início, tocar no meio do público (separados e distantes um do outro) surgiu porque estávamos cansados deste lado elitista da música e queríamos uma zona de desconforto onde público e artistas estivessem ao mesmo nível. Além disso, toda a nossa pesquisa em etnomusicologia (Trans-Aeolian Transmission) fez-nos descobrir que não existiam palcos nos rituais praticados na Ásia ou em África. Os músicos tinham um verdadeiro papel social, posicionados o mais próximo possível das comunidades. Com o tempo, isto tornou-se uma forma importante de actuar e um ponto de reconhecimento dos Putan Club, tanto que agora até os festivais mais corajosos nos pedem para implementar o nosso plano de “não-palco“. Por vezes, durante estes concertos, não nos vemos durante toda a duração do espectáculo, pois as pessoas estão no meio de nós. Em espaços mais pequenos, a magia é ainda mais forte, tornando cada concerto um momento diferente todas as noites, e cada país, cidade ou região, tem uma maneira peculiar de viver este momento –alguns inflamam-se imediatamente (Sérvia), outros são mais tímidos (Tajiquistão)– e é também por isso que adoramos e precisamos de viajar.
Este modo de organização “geográfica” não influencia o nosso processo de composição; não há premeditação. Contudo, é verdade que os rituais estudados nos ensinaram que precisávamos de produzir uma certa catarse, uma libertação, com uma violência libertadora e dançante. Este álbum, “Filles d’Octobre” (Filhas de Outubro – outra revolução, e também o mês do Amplifest), é um momento capturado deste processo.

Irreversível – Os Putan Club existem à margem, para os que estão nas franjas, recusando pertencer a qualquer “igreja” musical. Este novo álbum leva ainda mais longe essas fronteiras?
Putan Club – Não pensamos que somos marginais – e ninguém o é verdadeiramente. É a indústria política ou musical que nos faz acreditar nisso, para que pensemos o menos possível e de forma banal, mas, acima de tudo, para nos venderem melhor os seus produtos. Limites: toda a música nos interessa, desde Keiji Haino a Britney Spears; precisamos –psicologicamente e em cada momento do dia– de ambos. As nossas Filles d’Octobre” vêm do industrial, techno, noise, etno, metal, Messiaen ou o que for. Acima de tudo, o sentimento é, sem dúvida, Bakuniano. Assim, sim, os Putan Club estão à margem humanamente e, portanto, politicamente – como uma enorme minoria de muitos outros.

Putan Club © Sévérine Kpoti
Putan Club © Sévérine Kpoti

Putan Club © Sévérine Kpoti

Dançar, tocar, empurrar-se, gritar e berrar num pogo primário ou num mosh-pit ancestral.

Putan Club

Irreversível – A vossa música é crua, densa, mas também sofisticada e imprevisível. Como encontram o equilíbrio entre a simplicidade e a complexidade, estas camadas contrastantes, nas vossas composições?
Putan Club – Este é realmente um processo longo. Como viemos basicamente do avant-rock, de certos polirritmos, não nos conseguiríamos entreter a compor e tocar apenas em 4/4, 6/8, etc… Para simplificar, a ideia é misturar compassos compostos, tempos ímpares, mantendo, ao mesmo tempo, um pulso binário. Continua a ser um polirritmo, mas guiado pelos pés. Ninguém percebe isto, exceto os “antigos coronéis” e os músicos que ficam encostados às paredes a contar nos dedos, enquanto os outros saltam como grilos e trutas selvagens, connosco e no meio de nós. E todo o resto –mais uma vez– está muito próximo dos rituais observados na Ásia Central ou em África. Dançar, tocar, empurrar-se, gritar e berrar num pogo primário ou num mosh-pit ancestral.

Irreversível – Numa indústria cada vez mais categorizada e mimética, os Putan Club parecem um “murro no estômago” ao conformismo. Consideram o público mais aberto a experiências irreverentes como a vossa, ou a resistência ainda é um desafio?
Putan Club – Acreditamos que o público está totalmente aberto a experiências irreverentes, especialmente se não as conhecer previamente. Achamos que o público não precisa de se preocupar com o que fazemos tecnicamente – e eles têm razão, é o fogo que importa (e isso liga-se à ideia de duende). Dito isto, é mais a nossa estratégia e maneira de fazer as coisas –sem uma agência, quase sem editora nem relações públicas– que é um verdadeiro desafio, que nos permite pagar rendas, etc, há anos. Por sua vez, a indústria trabalha com artistas miméticos porque é obviamente mais fácil vender o que é imposto como um gosto único através de promoções dispendiosas. Criámos outro ecossistema para nós, longe das mentiras comerciais, porque onde somos antagónicos é sobretudo na forma de fazer as coisas, nesta gestão atípica. E não somos os únicos, longe disso. A resistência será sempre um desafio.

Irreversível – O que inspira ou move os Putan Club?
Putan Club – O que nos inspira é a forma como certas comunidades (étnicas tribais, alevitas, punk ou anarquistas) constroem juntas, organizando formas de vida baseadas em ideias de auto-organização a nível local, ajuda mútua, solidariedade, desenvolvimento sustentável, estilos de vida amigos dos animais, anti-autoritarismo, autonomia, feminismo e revolução, entre outras iniciativas que visam criar uma sociedade mais justa e livre, opondo-se a qualquer forma de discriminação social e visões que gerem ódio ou divisão, mas apoiando pessoas que trabalham realmente contra o racismo, sexismo, homofobia, xenofobia, política partidária, capitalismo e religião organizada. Depois, eventualmente, pagar as nossas rendas e contas apenas com música, rigorosamente inventando um modo de vida que nos leve, intelectualmente e também geograficamente, o mais longe possível, e finalmente descobrir/conhecer/conversar e aprender com outras mulheres e homens que actuam com dignidade/respeito e evolução. Isto continua a ser raro – mas existe, frequentemente em lugares distantes, o que também explica porque viajamos. Uma madrugada em Konibodom, uma primavera em Mazury ou um público frenético em Београд (Belgrado). Finalmente (e isto não é, de todo, menos importante), somos inspirados por livros e leitura (é quase uma obsessão), como encontrar “A Arte da Alegria” (Goliarda Sapienza) no balcão de uma livraria em Catânia. Resistência, viagens, literatura. Rumo a uma certa libertação.

Putan Club © Jorge Ribeiro
Putan Club © Jorge Ribeiro

Talvez não vejamos isso, mas cada passo, cada leitura, cada audição, cada olhar, cada reflexão diferente levar-nos-á até lá, rumo a uma revolução global, irreversivelmente.
Assim esperamos.

Putan Club

Irreversível – Pessoalmente, odeio rotular artistas ou bandas, pois é quase sempre limitador. No entanto, às vezes é necessário (nem que seja por causa das plataformas promocionais). Se tivessem de descrever o som que criam, como o definiriam?
Putan Club – TransgenderFeministElectronicIndustrialAvantRockTechnoEthnoWorldSauvagerie – e é tão longo que não caberia num rótulo de loja. Tens razão, rotular é odioso, frequentemente tão redutivo e até dogmático.

Irreversível – No dia 4 de outubro de 2025, irão actuar, com grande orgulho e antecipação da nossa parte, n` “Uma Noite Irreversível“. O que significa para vocês actuar em Portugal, e particularmente nesta celebração da “Plataforma independente de divulgação artística e cultural” que é esta magazine?
Putan Club – Há alguns anos, Portugal foi um dos primeiros países a encantar-nos. Tocámos lá imenso, do Minho ao Algarve. Depois, alguns festivais deixaram uma marca irremediável em nós, como o Milhões de Festa, o Amplifest ou o FMM, não tanto pela programação, mas pela humanidade das equipas. Cultivámos um laço muito forte com o povo português – e não é, de todo, oportunismo quando dizemos isto. Acreditamos que a distância geográfica tornou os lusitanos seriamente curiosos e abertos ao desconhecido, e isso é, claro, uma enorme qualidade. Essa é, também, a essência da Irreversível: Chomsky poderia tê-lo escrito – “se há informação, crítica e reflexão, nada será como dantes”. Para quem nunca entrou no Putan Club, 4 de Outubro em Braga será, provavelmente, irreversível. Participar n` “Uma Noite Irreversível” faz-nos sentir parte da comunidade – e estamos verdadeiramente gratos por isso.

Irreversível – O que é irreversível?
Putan Club – Acreditamos que o fim deste mundo é irreversível. A ascensão da extrema-direita e a vitória do capitalismo e da ignorância também parecem irreversíveis, mas igualmente irreversíveis são as resistências que trarão as pessoas de volta às ruas para organizar a queda e derrubar todo este sistema iníquo baseado na ignorância que está a apodrecer as nossas vidas. Talvez não vejamos isso, mas cada passo, cada leitura, cada audição, cada olhar, cada reflexão diferente levar-nos-á até lá, rumo a uma revolução global, irreversivelmente. Assim esperamos. E, mais uma vez, se a nossa forma de fazer e a nossa música puderem ser uma pequena parte da banda sonora, ficaremos um pouco orgulhosos disso. O desespero e a ignorância não devem vencer.


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Putan Club Debauchery

Putan Club – Destilador Rock
Crónica Irreversível

Imagem de capa:
Foto © Carlo Mazzotta
Artwork © Pedro Protest

Uma Noite Irreversível 2025