Para mim, sempre houve um vínculo afetivo entre os lugares e as músicas. Não consigo dissociá-lo, e, quando viajo, as memórias mais duradouras e intensas são aquelas em que a música esteve presente. A música está ad aeternum na minha mente.
Caminho com alguma regularidade na margem norte da Lagoa de Óbidos, particularmente entre o observatório da Barrosa e a Praia da Foz do Arelho. São cinco quilómetros de encantos em que experiencio sempre momentos enriquecedores e revigorantes.
Como referi, gosto de começar o passeio no Cais Palafítico da Barrosa que tem mesmo à sua frente um panorama extremamente verdejante e sereno. Ouço habitualmente o entusiasmo dos pintassilgos e divirto-me com as poupas dos abibes. Em certas ocasiões, delicio-me com a manta rosada dos bandos de flamingos… estas aves, de olhar preguiçoso e indecifrável, são lindas.
Foz do Arelho © Miguel Pinho
Hoje, prefiro sentar-me num dos vários assentos de pedra junto ao Cais da Foz do Arelho – não muito distante do peculiar Penedo Furado – a observar alguns indivíduos literalmente dentro de água na apanha de bivalves. Surpreendentemente, vejo também a disputa do jogo da petanca por uns quantos franceses. Na margem sul da lagoa vejo a Praia do Bom Sucesso, repleta de espaço, muito espaço. Como em todas as ocasiões que venho até à Foz do Arelho, a música faz-me sempre companhia. Desta vez posso confidenciar que estou um pouco ansioso… preparo-me para estrear uma prenda extraordinária…uns auriculares novos!
Penedo Furado | Foz do Arelho © Miguel Pinho
Escolho o novo disco de Nala Sinephro, “Endlessness“. Residindo em Londres, a artista belga de ascendência caribenha fez-se acompanhar de músicos britânicos de altíssimo calibre – a aclamada saxofonista Nubya Garcia, mas também a trompetista Sheila Maurice-Grey, o baterista Morgan Simpson e o pianista Lyle Barton fazem parte da lista de notáveis – e o resultado foi um álbum relaxante e reflexivo composto por dez segmentos com o mesmo título distinguindo-se os mesmos apenas através da numeração. A espiritualidade musical da artista integra em certa medida as já mencionadas partes do globo – Europa Ocidental e Caraíbas – separadas pelo Oceano Atlântico. A sonoridade space-jazz adapta se ao cenário que presencio parecendo flutuar no sistema lagunar. Com o avançar o tempo, a música da harpista belga torna-se vez mais livre e expressiva.
*Foto de capa: Foz do Arelho © Miguel Pinho
Vigésima primeira edição d´ “As sonoridades das viagens“ na Irreversível.
Miguel Pinho é um reconhecido apaixonado por música e autor publicado sobre viagens.
Conhecendo estas premissas, a Irreversível lançou-lhe o desafio de somar as duas, a música e as suas viagens, numa rubrica para Magazine.
Mais recente livro de Miguel Pinho (artigo Irreversível):
“Das Pontes do Porto aos Doces Vinhedos Magiares“.