Inquietude | Marie Davidson ao vivo: ou como um gig se pode tornar num dialogo sobre quem somos, enquanto dançamos!
No palco, sozinha, está Marie Davidson, uma figura que, por vezes durante a actuação, aparenta carregar todo o peso de uma geração. A cada batida, a cada palavra disparada ao microfone, a artista canadiana não se limita à música, Marie Davidson entrega em palco um manifesto, que tem tanto de brutalmente cru e honesto, como de adocicado e satírico, e expõem o (nosso) fardo e fado de existir num mundo saturado de pressões, constrangimentos, imposições e repressões. Talvez, cada escolha, traga consigo algo de profundamente político, visível ou latente, coerente ou inconsistente.
Assumindo uma linha evolutiva na música eletrónica, passando pelo minimalismo seminal dos Kraftwerk, que deram a alma às máquinas, ou pelo cocktail de um Luke Slater (& respectivos projectos), que inundou o techno de novas influências, escrevo que Marie Davidson segue por esse cruzamento levando consigo toda uma outra vasta paleta sonora, que vai dos 80´s ao post-punk, numa amálgama bem fundida, moderna e singular, com o peso e a força de quem quer mais do que apenas fazer a pista dançar, Marie Davidson quer pôr-nos a pensar… Enquanto dançamos!
Durante a performance, dei por mim a ser submerso no conturbado universo do “Trabalha, consome, repete”, com o incentivo da magnética e narcótica voz de Marie e, não há como escapar, em certos momentos, a cada palavra uma facada de ironia, sentindo a inevitabilidade de, dançando, me questionar: É isto? “This is your life?”
A filosofia (à falta de melhor palavra) de Marie Davidson tem uma ressonância com o Fight Club, filme que, há vinte e cinco anos, já anunciava o colapso iminente de uma sociedade desgastada pelos cultos à produtividade, ao consumo, ao que possuis e ao que desejas possuir. Davidson, nesta noite no Porto, pareceu desfraldar essa bandeira através da sua música.
Quer a acompanhar as letras, quer a música, uma incontrolável voz interna surgia-me e sussurrava-me em pano de fundo durante quase todo o concerto: “You are not your bank account. You are not the clothes you wear. You are not the contents of your wallet. You are not your bowel cancer. You are not your grande latte. You are not the car you drive! You are not your fucking khakis!“.
Enquanto a sua música instiga e provoca o agitar dos corpos de quem assiste, Marie parece desafiar-nos tal como Tyler Durden em Fight Club: “This is your life, and it’s ending one minute at a time.“
E, num fugaz instante, daqueles que permanecem para a eternidade, entendi que aquilo que verdadeiramente me uniu, aquilo que me entrelaçou e fundiu com Davidson; para além das cicatrizes que todos temos, os vestígios do que fomos e do que nos aconteceu; foi e é, a inquietude.
Foto de Capa: Marie Davidson © Irreversível
Texto: Francisco Barros