EVAYA, um dos mais curiosos e promissores nomes da música emergente em Portugal, lançou em 2024 o seu 1º LP, “Abaixo das Raízes Deste Jardim“, numa edição Saliva Diva.
EVAYA é uma produtora, compositora, letrista e cantora portuguesa, natural do Poceirão. Em 2019 formou-se pela ETIC de Lisboa em Produção e Criação musical, uma formação de dois anos que culminou com um estágio profissional em Berlim – experiência que foi interrompida pela pandemia, mas o regresso a casa e a pausa imposta pelo contexto pandémico valeram-lhe o seu primeiro EP “INTENÇÃO” – produzido e gravado pela artista no primeiro confinamento, entre Poceirão e Lisboa, editado em outubro de 2020 de forma independente. Depois de dar a conhecer ao mundo o single “o que acontece agora“, EVAYA lançou em 2024 o seu primeiro álbum longa-duração, “Abaixo das Raízes Deste Jardim“, disco que conta com 10 canções.
Em “Abaixo das Raízes Deste Jardim“, há uma criação muito própria de um universo único e peculiar à linguagem da artista, que mesmo estando ainda a dar os seus primeiros passos em lançamentos, já conta com uma linguagem sonora e visual muito própria. É um álbum sensorial, um convite da artista para um limbo etéreo com letras e mensagens de cariz ecológico, que nos vão fazendo refletir sobre o nosso próprio lugar no mundo e a influência que temos sobre ele.
EVAYA não podia estar melhor representada no seu disco de estreia, já que é isto, uma deambulação por sonoridades e géneros musicais, uma constante descoberta, recorrendo a ferramentas da electrónica dançante e experimental, servindo temas sobre as leis da natureza – a intemporalidade e informidade do ser e os aspectos místicos das nossas emoções, numa combinação única de sons orgânicos e eletrónicos.
É uma exploração do que precisa de ser curado, resolvido, entendido, conhecido e amado.
EVAYA
(…) estou a ir ao fundo, a escavar, tanto dentro de mim quanto nas emoções que vejo ao meu redor.
EVAYA
Irreversível – Olá, obrigado pela disponibilidade para esta entrevista, parabéns pelo disco! Quais foram as maiores dificuldades para a criação do “Abaixo das Raízes Deste Jardim“?
EVAYA – Antes de mais, muito obrigada!
Criar “Abaixo das Raízes Deste Jardim” foi um processo de muita descoberta pessoal, principalmente por ser o meu primeiro LP.
Fui às raízes do meu corpo e alma.
Foi amor, foi dor, e amor de novo – depois de transmutar o medo.
Ao contrário, se calhar, de alguns artistas que compõem várias músicas e depois escolhem as que se inserem melhor no projeto, cada canção deste disco (assim como do meu EP anterior) foi a totalidade do que compus. Não abandonei nenhuma ideia, cada música começada foi levada até ao fim, eu sabia/sentia a intenção de cada texto e paisagem sonora, mesmo que não soubesse como iria ficar a produção e a composição final, não desisti de nenhuma ideia até eu sentir que tinha chegado onde queria.
Este processo, apesar de eu não o considerar propriamente difícil, foi demorado, e lidar com a minha “lentidão” enquanto tinha uma grande vontade de lançar um disco o quanto antes, foi um desafio. Já estava a tocar ao vivo com o meu projeto desde 2021 e sentia falta de apresentar mais músicas ao público.
Outra circunstância que dificultou um pouco o processo, foi ter escrito parte das canções durante uma altura da minha vida em que trabalhava full-time numa loja de atendimento ao público. Muitas das letras foram escritas às escondidas, de pé durante várias horas e atrás de um balcão. Talvez por isso parte da mensagem do disco para mim é a ansiedade de me libertar. Estou muito feliz porque desde que lancei o álbum tenho tocado muito mais e, por agora, posso dedicar-me mais ao meu trabalho criativo.
Outro ponto importante foi começar a co-produzir com o meu parceiro, o Polivalente. Isso fez-me crescer muito musicalmente, mas trouxe também algumas dificuldades. Co-criar é diferente de estar sozinha no quarto a produzir; as opiniões e dicas dele às vezes mexiam muito comigo. No entanto, quase sempre, essas trocas levaram-me a um resultado melhor, e no final ficámos super felizes com o que conseguimos produzir juntos.
Houve também a questão da vulnerabilidade nas minhas letras. Escrever sobre temas como fé, misticismo, equidade, coragem e empatia -que não são exatamente temas mainstream– traz sempre um certo receio de exposição. Mas entendi que faz parte do meu propósito criativo desconstruir esses medos.
Irreversível – Existe um conceito específico neste álbum? E, quais as tuas motivações…?
EVAYA – Sim. O título já revela um pouco dessa intenção: estou a ir ao fundo, a escavar, tanto dentro de mim quanto nas emoções que vejo ao meu redor. É uma exploração do que precisa de ser curado, resolvido, entendido, conhecido e amado. Trata-se de um mergulho profundo no meu mundo interior, onde procuro entender as minhas emoções e vivências, mas também de um olhar para o que me rodeia.
A casa da minha família fica numa espécie de bosque, mesmo na natureza, e é lá que mais gosto de escrever música e textos. Este lugar tem uma ligação íntima com as minhas raízes, tanto no sentido literal, como no simbólico. Existe o “jardim interior” -esse espaço dentro de mim onde cultivo emoções- e também o “jardim exterior”, que é o próprio ambiente natural que faz parte da minha história e da minha identidade.
Essa relação com a natureza e o espaço “jardim” foi tão forte durante o processo criativo -mesmo à distância durante um ano e meio a trabalhar de seguida fora deste ambiente- que se tornou um vocabulário natural ao longo das canções. Palavras como sol, água, terra, sementes, florir, brotar, aparecem de forma recorrente nas letras. Essas palavras são metáforas que ajudam a expressar o que estou a sentir e a explorar.
No fundo, o conceito do álbum está nesse diálogo entre o mundo interior e o exterior, como ambos se conectam e influenciam um ao outro. Acredito que este trabalho foi uma forma de explorar sentimentos e emoções com o objetivo de me curar, libertar, evoluir emocionalmente, de me conhecer mais profundamente. Tudo se liga de maneira natural e intuitiva, refletindo a forma como percepciono o mundo e me percepciono a mim mesma dentro dele.
Irreversível – Como foi o processo criativo para a elaboração das composições e como decorreu a gravação?
EVAYA – Já falei um pouco sobre o processo criativo nas outras questões, mas posso dizer também que fui muito inspirada por várias leituras que ajudaram a moldar a minha escrita e os meus pensamentos. Um livro em particular que teve um grande impacto foi “Mulheres que Correm com os Lobos“.
Quanto aos métodos de composição, não há um único caminho que eu siga. Cada música teve um início diferente. Algumas vezes, a composição começou com um texto que escrevi. Outras vezes, começava por criar algo no computador, como uma paisagem sonora ou um beat, e a partir daí desenvolvia o texto e a música.
Depois de criar as ideias iniciais -à exceção da “dança da mudança” e “contemplação” que são temas que partiram inicialmente de ideias de melodia e harmonia do João (Polivalente) – eu mostrava-lhe as minhas demos e juntos trabalhávamos para finalizar cada tema. Como produzimos juntos em casa, as gravações foram feitas nesse processo por nós.
Algumas das vozes principais foram gravadas com o St. James Park no seu home studio. E durante o curso de Studio Engineering no Arda Recorders, que eu e o João frequentámos no ano passado, gravei outras vozes finais.
Irreversível – O que podemos esperar das apresentações ao vivo? Alguma evolução nos temas em palco?
EVAYA – Ao vivo, podem esperar um som com uma energia um pouco mais agressiva e, ao mesmo tempo, etérea e frágil. Para os concertos, convidei o Nicø para se juntar à formação, porque ele é excelente no synth modular que traz uma profundidade incrível às linhas melódicas e harmónicas dos temas. O Polivalente está na drum machine e na guitarra, sem a necessidade de tocar tudo ao mesmo tempo, como antes, o que torna a performance menos arriscada e mais fluida. E eu estou na voz, claro. Adoro produzir, faz parte da minha arte, mas em palco gosto de me entregar apenas à voz e movimento do corpo, focando-me na performance e na troca com o público.
Quanto aos temas, estão parecidos com a versão original, mas há alguns arranjos que diferem das versões de estúdio. Portanto, quem vier aos concertos pode esperar uma experiência que, embora fiel ao álbum, traz também uma evolução e uma intensidade diferente.
Irreversível – Existem diferentes personalidades que separam a Beatriz da EVAYA?
EVAYA – A Beatriz queria ser a Evaya, e a Evaya tem sido uma ferramenta fundamental para que a Beatriz se torne a pessoa corajosa que sempre sonhou ser. Evaya é o alter-ego que me permitiu e tem permitido realizar muitos sonhos.
Há momentos em que penso na possibilidade de me despedir da Evaya e abraçar o meu nome verdadeiro, lançando um disco como Beatriz Bronze. Talvez um dia isso aconteça, mas, por enquanto, sinto que ainda preciso de ser a Evaya. É uma persona que me dá liberdade para criar, experimentar e enfrentar os meus medos, esta identidade tem sido essencial para o meu crescimento pessoal e musical.
Portanto, existem sim diferentes personalidades entre a Beatriz e a Evaya, mas uma não existe sem a outra. Elas estão sempre em diálogo e em constante evolução.
Irreversível – Quais são as tuas fontes de inspiração?
EVAYA – A natureza… paisagens, ciclos, sons e silêncios. As pessoas e as suas interações, os seus sonhos e medos. Livros, música. A forma como as emoções se manifestam nas relações humanas.
Irreversível – Pessoalmente detesto rotular artistas ou bandas, é quase sempre limitativo, mas por vezes é necessário fazê-lo. Se tivesses de explicar o tipo de som que fazes, como o descreverias?
EVAYA – Por agora pop eletrónico e etéreo, um pouco experimental. Pode mudar no futuro… vamos ver para onde vou.
Irreversível – O que é irreversível?
EVAYA – Talvez seja o próprio processo de transformação. Quando começamos a mudar, a crescer, a explorar novas partes de nós mesmos, não há como voltar atrás. Esse caminho de autoconhecimento e criação que nos transforma a cada instante. Quando olho para trás, a sensação que tenho é que eu era uma pessoa completamente diferente.
Fotos EVAYA @ B.Leza © Carolina Marta
Depois de um conjunto de datas de apresentação de “Abaixo das Raízes Deste Jardim“, EVAYA sobe ao palco do Maus Hábitos no seu formato trio, acompanhada por NICØ no sintetizador modular e Polivalente na drum machine e guitarra. Uma noite que promete uma performance etérea, pontuada por batidas pulsantes e texturas da natureza. Numa experiência que propõe transportar o público para um universo sonoro diferente, onírico e envolvente.
“Modern Loneliness”
St. James Park em entrevista Irreversível
Foto de capa © Carolina Marta
Texto: Ricardo Rodrigues
Entrevista e edição de conteúdo:
Francisco Barros